A geração "ni ni" "nem nem", em português parecia um privilégio da crise espanhola. Lá, diz-se, é o país com o maior número de graduados, mestres e doutores a servir mesa em restaurantes, quando muito. O "nem estuda, nem trabalha", no senso comum, virou por tabela um problema alheio ao Brasil, uma rasteira com a qual as nações ditas desenvolvidas tinham de se ver, e sinto muito.
Hora de rever os conceitos. O "nem nem" é um fenômeno tão brasileiro quanto espanhol. Pior: tem aqui contornos ainda mais dramáticos. Com todo respeito ao cinto apertado pelo qual passam os europeus, no Novo Mundo há mais mares a navegar, sem muita certeza de que se vai descer em porto seguro.
Aos fatos. Com o aumento de jovens com ensino médio no Brasil, o mercado fez a sua parte. Confirmando que não somos um país que ama seus moços, pobres moços, aproveitou-se a deixa, achatando o salário da moçada. Passou-se a exigir o antigo segundo grau para funções que não exigem grande escolaridade, desequilibrando o que já andava com tonturas. É como se ninguém tivesse ganhado com o avanço do ensino.
Alguns dirão que são regras de mercado. Que chupem o dedo os despreparados. Mas não haverá mercado nem futuro num país que cultiva a pauperização e a inserção precária, em especial daqueles que em breve vão arcar com o mercado de trabalho. Em poucas palavras, perpetua-se nessa Pátria Mãe nada gentil um solene pouco caso com os jovens, submetendo-os, sem reação dos governos, a uma concorrência desleal com os que estudaram mais.
Rússia, Argentina, Espanha para citar três países que ontem, hoje e sempre andam dando nós em pingos de água saem melhor das crises porque sua população é mais alfabetizada. O jovem engenheiro que dirige um táxi em Buenos Aires ou que faz sanduíches em Madri não só o fará melhor como tende a prosperar. Em caso de comparação, nem é preciso fazer contas para dizer da nossa fragilidade. Mas caso se faça necessário, aos números cruéis.
Dados da pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), de 2011, mostram que atingiu 27% a fatia de "nem nem" entre brasileiros de 17 a 22 anos. Detalhe: essa porcentagem se refere a quem tem o fundamental incompleto. Estima-se que 30% desses nem sequer voltarão à escola. Se não parece informação gritante o bastante, some-se a ela que 2,5 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos estão estacionados no ciclo básico. É caso de calamidade pública.
A escola não parece atraente a essa turma. O mercado de trabalho não lhes é complacente. Resta a informalidade e seus perigos. Ganha uma bala quem dizer quais são. Mal não faria colocar nesse cestão de sobras da educação o exército dos que se rendem ao tráfico e os que cedo engrossam os índices de mortalidade juvenil.
Seria injusto dizer que a sociedade não reage. Reage. O governo fez o seu Pró-Jovem. Há outros programas a reboque e são desde já históricos. Afinal, mostraram, com perdão à paródia de uma música do padre Zezinho, que "um jovem custa muito pouco". Um valor mínimo de bolsa pode impedir que muitos deles acabem nos sinaleiros, privados dos que lhes é de direito o acesso à sociedade do conhecimento.
É fato também que muitas vezes o "nem nem" é uma fase, superável, uma bolha. Casamento, pressão familiar, reação natural, tendem a trazer o jovem de volta. Estudos da Rede de Informação Tecnológica Latino Americana, a Ritla, de 2007, já haviam mostrado que os evadidos da escola tentavam retornar aos bancos até seis vezes, aumentando, ainda que em um ano, seu grau de escolaridade. Mas há de se ficar esperto.
O Brasil se vê como um país jovem. Sofre de miopia progressiva. Não seremos jovens por muito tempo, pois o bônus demográfico dá sinais de cansaço. Haveremos de pagar bem caro pela negligência. Dois passos precisam ser dados tornar a escola um espaço de felicidade para os adolescentes. E convencer a sociedade civil de que a escola não pode arcar sozinha com a responsabilidade de cuidar da moçada. Os "nem nem" nos pertencem. Se não houver reação, vamos ficar negativados junto com eles. Melhor não desdenhar.
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