A oposição a uma mudança na forma como se estabelece a taxa de juros de longo prazo, usada nos empréstimos do BNDES, mostra que o entendimento sobre o novo papel do banco ainda não está completamente solidificado. Instituída pela MP 777, a Taxa de Longo Prazo (TLP) será elevada gradualmente nos próximos cinco anos, até atingir uma taxa similar à de captação de recursos no mercado. Essa mudança desagradou os setores acostumados a contar com o dinheiro subsidiado repassado pelo BNDES.
O histórico recente do uso do BNDES como vetor do crescimento econômico não é dos melhores. O banco recebeu após a crise de 2008/2009 aportes de R$ 500 bilhões do Tesouro e inundou o mercado com crédito barato. Isso não se reverteu em taxas mais altas de crescimento. O saldo foi uma conta de subsídios que o país terá de pagar por 40 anos.
Desde o ano passado, a atuação do banco passou por mudanças. Algumas linhas subsidiadas foram descontinuadas e setores que não deveriam receber crédito especial por terem contratos que servem de garantia para operações de crédito baratas – como o de transmissão de energia – foram retirados da pauta de prioridades. O BNDES também antecipou o pagamento de R$ 100 bilhões ao Tesouro, reduzindo a dívida bruta da União e os juros por ela gerados.
Essas mudanças não mexeram em uma das bases do funcionamento do BNDES, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Ela foi criada para permitir que empresas brasileiras tomassem crédito com juros mais baixos que os de mercado, na expectativa de que isso reduzisse uma de suas desvantagens competitivas – o fato de operarem em um país com taxas de juros inexplicavelmente altas.
A TJLP fazia sentido em um mercado fechado e sem acesso a instrumentos de crédito barato, como a emissão de títulos e linhas no exterior. Mas não é esse o cenário atual. Empresas de grande porte hoje têm condições de buscar empréstimos com custos mais baixos, encarecidos apenas pelo risco-país brasileiro, mais elevado que o de outros emergentes. Para empresas menores, o problema maior é conseguir linhas de capital de giro com juros decentes, algo que está fora da atuação do BNDES.
Por isso, é pertinente que se questione o custo-benefício da antiga TJLP. Ela tem um custo fiscal implícito, que é a diferença entre a taxa de mercado e a própria TJLP, pago pela União. Em um país com déficits públicos sucessivos, este é um gasto que na prática pode ter o efeito de elevar os juros para todos os outros tomadores, seja via risco-país, seja via Selic (a taxa básica de juros).
Além disso, a TJLP é menos afetada pela política monetária. Quando o Banco Central sobe os juros, ele espera que o custo do dinheiro suba para todos. Mas a TJLP, assim como outras formas de crédito direcionado, sempre sobe menos. Essa distorção pode fazer com que o BC tenha de usar uma dose mais alta de juros para chegar ao mesmo resultado no controle da inflação. Há, portanto, três distorções: fiscais, de igualdade no acesso ao crédito e de efeito da política monetária provocadas pelos juros subsidiados.
A equipe econômica decidiu reduzir essas distorções. A MP 777 dará um prazo de cinco anos para que a nova TLP convirja com uma categoria de títulos públicos. A crítica, liderada por entidades de classe do setor produtivo, é a de que isso vai elevar os juros e diminuir a previsibilidade dos empréstimos. De fato, os juros podem subir, mas apenas para refletir as condições de mercado. A falta de previsibilidade, por sua vez, não é real, já que a taxa de juros é travada na contratação dos empréstimos.
Nos últimos dias, até o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, engrossou o coro, em uma reclamação pública que teve de ser suavizada após conversas com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. A equipe econômica tenta manter a coesão na defesa da medida.
Não está claro ainda como essas reclamações serão recebidas pelo Congresso, que agora avalia a MP. A equipe econômica tem reforçado a necessidade de fazer a mudança dentro de um pacote maior de medidas para a normalização do mercado brasileiro de crédito. Houve já alterações nas taxas do cartão de crédito, por exemplo, e o BC está mudando gradualmente a forma como é rolada a dívida de curtíssimo prazo, as chamadas operações compromissadas.
Esse é um debate que precisa ser pautado pelas evidências. Os subsídios implícitos se tornaram um problema fiscal e não trouxeram o crescimento esperado. O Brasil precisa costurar reformas que levem os juros básicos para um nível civilizado e os benefícios trazidos por eles precisam chegar a todo o mercado de crédito – esse é o espírito da criação da nova TLP. As exceções que mereçam crédito mais barato precisam realmente ser tratadas como tais: com benefícios pontuais, com objetivo claro, custo baixo, transparência e um retorno social mensurável.