Só a farra da criação de novos cargos de prefeito, secretários, vereadores e comissionados explica a volta da possibilidade de criar mais municípios no Brasil
Façamos um raciocínio hipotético bem simples: um grupo de dez pessoas ganha R$ 1 mil por mês e divide igualmente esse valor entre seus componentes. Portanto, a cada um cabe receber R$ 100. Digamos que, por liberalidade ou irresponsabilidade, o grupo inicial decida agregar mais dez membros, mesmo sabendo que a renda total não vai aumentar. O resultado óbvio é que, quando divididos por 20 os mesmos R$ 1 mil, a renda de cada um cairá para R$ 50. Se antes o valor já era insuficiente para a manutenção da primeira dezena de participantes, a etapa seguinte vai levar a miséria a todos.
Mais grave que a hipotética situação descrita é a proposta que acaba de ser aprovada pela Câmara Federal e que agora segue ao Senado para seu trâmite conclusivo. Ela prevê a possibilidade de criação de novos municípios, além do já absurdo número de 5.570 existente no país. O projeto estabelece condições "rígidas" para o desmembramento dos atuais municípios, mas, pelas contas já feitas, outros 600 municípios resultantes da subdivisão passariam a fazer parte do mapa do Brasil.
Atente-se para o detalhe: do total de municípios brasileiros, cerca de 4 mil têm menos de 20 mil habitantes. Vivem à míngua. Sem arrecadação tributária própria suficiente para atender sequer às necessidades mínimas da população, seu modo de sobrevivência é implorar constantemente por repasses (obrigatórios ou voluntários) da União e dos estados, que também não bastam para dar alívio às suas condições de subsistência. Entretanto, o projeto aprovado pelos deputados não faz referência a como dividir o mesmo bolo entre mais comensais. Ou, como no exemplo inicial, como "melhorar" a miséria de cada um.
Embora se reconheça que, em muitos casos, distritos mais distantes das sedes municipais ressintam-se de atenção adequada da administração, esse fato não tira da iniciativa da Câmara de facilitar a criação de municípios o caráter de rematada irresponsabilidade. Essa já foi uma prática nociva comum, vigente no passado e que se pensava ter sido sepultada pela legislação restritiva posterior à Constituição Federal de 1988. Para o ressurgimento dessa prática não há explicação minimamente lógica a embasar supostos benefícios administrativos, econômicos ou sociais que adviriam da subdivisão territorial nem para os municípios-mãe, nem para os que deles nascerem. Deve-se buscar justificativa em outros campos menos dignos e mais prejudiciais à população.
Busque-se a explicação no campo político: um novo município significa a necessidade de criar prefeituras, câmaras de vereadores e novos aparatos administrativos estruturas precárias que logo se enchem de servidores concursados e funcionários comissionados , tudo muito ao gosto dos interesses políticos dos chefetes locais e dos deputados com "mando" na região, ávidos pela manutenção ou ampliação de seus currais eleitorais.
A medida vai na contramão do que se poderia esperar, especialmente quando se fala em "políticas anticíclicas" para evitar que o Brasil se contamine além do que deve com a crise internacional. Em vez de se aumentar a gastança com a máquina pública a que um maior número de municípios fatalmente levaria, mais recomendável seria percorrer o caminho contrário: reaglutinar municípios como, aliás, tentam fazer países mergulhados na penúria, como Grécia e Espanha.
Mas, no Brasil, quem há de tentar?