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Editorial

O abortismo cria sua “polícia do pensamento”

O padre Sean Gough foi acusado de "intimidar" os "usuários dos serviços" da clínica de aborto. (Foto: Reprodução/ADF International)

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Que perigo pode oferecer uma pessoa que está apenas rezando silenciosamente nas proximidades de uma clínica de aborto? O “apenas” aqui é fundamental: esta pessoa não está manifestando sua condenação ao aborto, nem vocalmente, nem de outra forma, como pelo uso de cartazes; não está tentando dissuadir gestantes de abortar, nem interpelando funcionários da clínica, nem bloqueando a entrada do local; na verdade, não está nem mesmo segurando algum objeto (como o terço usado pelos católicos, ou uma vela) que permitiria a alguém que observa a cena concluir que esta pessoa está rezando. Pois, para os abortistas, tal pessoa oferece todo o perigo do mundo. Ao menos é o que se pode concluir de legislações que estão sendo impostas e levadas a cabo no Reino Unido e nos Estados Unidos, estabelecendo uma “polícia do pensamento” – literalmente.

Cinco cidades britânicas já estabeleceram “zonas de censura” (obviamente, o nome oficial é outro) devidamente sinalizadas em torno de clínicas de aborto; dentro delas, não se admite nem mesmo que as pessoas condenem o aborto de forma íntima e silenciosa, sem nenhum tipo de manifestação externa; quem for pego cometendo tal “atrocidade” fica sujeito a até dois anos de prisão. A julgar pelos casos relatados por Elyssa Koren, diretora da ADF International, não é preciso nem mesmo estar parado nas proximidades de uma clínica; basta que alguém esteja caminhando perto do local e que a polícia suspeite de uma “atitude de oração” – que os interpelados, geralmente religiosos, não negam para não mentir a respeito. Dois casos recentes ganharam atenção especial: em dezembro do ano passado, Isabel Vaughan Spruce foi presa em Birmingham, a segunda maior cidade inglesa; a surreal abordagem policial foi registrada em vídeo e incluiu até mesmo uma revista, que não fazia o menor sentido diante da “ofensa” que se buscava reprimir. No início de fevereiro, o padre católico Sean Gough, de Wolverhampton, também foi levado a uma delegacia e acusado criminalmente, ainda que ele tenha dito que não rezava contra o aborto, mas pela proteção da liberdade de expressão.

Seria esperado que quem tem tanta certeza moral a respeito da “bondade” do aborto se mantivesse inabalável diante da crítica. Por que, então, tanto incômodo a justificar essa sanha restritiva?

Ambos acabaram absolvidos na última quinta-feira, mas a perseguição tem tudo para continuar, até porque o Reino Unido considera avançar ainda mais na repressão ao pensamento, avaliando no Parlamento uma versão nacional das eufemisticamente chamadas Ordens de Proteção do Espaço Público. É um passo que os Estados Unidos já deram em 1994, com a Lei de Liberdade de Acesso a Entradas de Clínicas. Por mais que, no papel, a lei proteja também os centros pró-vida de aconselhamento a gestantes, sua aplicação tem sido bastante desigual, ao menos recentemente, sob a administração do Partido Democrata, ostensivamente pró-aborto: enquanto o Departamento de Justiça norte-americano apenas finge que investiga os ataques reais – com incêndios e vandalismo – realizados contra igrejas e centros pró-vida, lança toda a sua força contra cidadãos que se manifestam pacificamente em defesa do nascituro.

Todo o absurdo desta situação é evidente. Tais legislações – locais ou nacionais, pouco importa – vão muito além da anunciada intenção de proteger as mulheres que buscam um aborto onde ele é permitido; para isso, bastaria garantir que elas não fossem coagidas e que não fosse possível, por exemplo, impedir o acesso às clínicas. Seu resultado real (e é difícil acreditar que ele não seja intencional por parte dos que pleiteiam e aprovam tais leis) é anular as liberdades de expressão e religiosa, fazendo do aborto um tabu e incentivando a autocensura a ponto de levar as pessoas a evitar até mesmo uma oração silenciosa para que não acabem sujeitas à perseguição estatal, que no mínimo causará enorme constrangimento e tomará tempo e esforço na defesa diante de um delegado ou um juiz, e no máximo resultará em uma temporada atrás das grades por “crime de pensamento”. A intenção de calar até mesmo o pensamento pró-vida é escancarada quando se percebe que nenhum outro tipo de instalação ou edifício goza desse mesmo tipo de “proteção”: americanos e britânicos podem pensar e criticar o que bem quiserem, e tornar público esse pensamento ou crítica, diante de igrejas, quartéis, prédios do governo, sedes de partidos políticos, o que for. Apenas as clínicas de aborto mereceram esse status tão privilegiado que proíbe, persegue e pune até a dissidência guardada no íntimo da mente de uma pessoa.

Essa tentativa desesperada de banir completamente as convicções e o discurso pró-vida – e que existe também no Brasil, embora de forma mais sutil, como se viu, por exemplo, durante a campanha eleitoral – não se explica apenas como um caso extremo de hipersensibilidade que não admite a mínima contestação. Há outra explicação, e que inclusive se encaixa perfeitamente no movimento recente que já não trata o aborto como um “mal necessário” cuja legalização seria necessária em nome da segurança das mulheres que desejam fazê-lo, mas uma prática a ser celebrada, a ponto de grupos feministas estarem abandonando o termo “pró-escolha” e assumindo o “pró-aborto”. Ora, seria esperado que quem tem tanta certeza moral a respeito da “bondade” do aborto se mantivesse inabalável diante da crítica. Por que, então, tanto incômodo a justificar essa sanha restritiva?

O fato é que é necessário estar com a consciência completamente anestesiada para não perceber a barbaridade que existe na eliminação de um ser humano indefeso e inocente, defendendo enfaticamente um direito irrestrito ao aborto ou até celebrando a prática. Qualquer pessoa que não tenha chegado a esse estado, ou tenha conseguido sair dele de alguma forma, está sujeita a passar pelo que passaram o médico Bernard Nathanson, o maior aborteiro de seu tempo; Norma McCorvey, a “Jane Roe” da decisão judicial Roe v Wade; ou Abby Johnson, ex-diretora da Planned Parenthood: todos se tornaram ativos defensores da vida humana por nascer. Por trás do ódio ao pensamento silencioso pró-vida existe, na verdade, uma profunda insegurança; o abortismo depende da eliminação de qualquer oportunidade de se acabar despertado pela própria consciência – e, se tal estalo pode vir até mesmo por meio de um pró-vida solitário e quieto a um quarteirão de distância de uma clínica, que se destruam as liberdades de expressão, religiosa ou de ir e vir. No fim, calar a voz interior de quem já é pró-vida é apenas um meio de amordaçar a voz interior do abortista para que ele nunca se dê conta do valor de todos os seres humanos.

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