Talvez numa admissão implícita de seu fracasso na tentativa de conseguir uma mudança na lei pela via ordinária, ou seja, o Legislativo, o PSol resolveu buscar a legalização do aborto pela via torta do ativismo judiciário, protocolando uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo que a corte derrube parcialmente os artigos 124 e 126 do Código Penal, que definem o crime de aborto.
O caminho para esse tipo de ação tinha sido aplainado pelo ministro Luís Roberto Barroso. No fim de novembro do ano passado, portando-se mais como militante que como magistrado, Barroso praticamente sequestrou o julgamento de um habeas corpus de médicos e funcionários de uma clínica de aborto para promover o entendimento segundo o qual a criminalização do aborto até a 12.ª semana de gestação seria inconstitucional – e, lamentavelmente, foi seguido por Rosa Weber e Edson Fachin, criando maioria na Primeira Turma da corte.
Existiria, porventura, um “direito ao homicídio” ou um “direito a matar o filho”?
Na ocasião, Barroso adotou duas linhas principais, não por coincidência incorporadas e ampliadas na ação impetrada pelo PSol, que cita trechos da decisão de novembro. A primeira linha consiste em tratar o aborto como uma violação da autonomia e da integridade física e psíquica da mulher. Em dezembro, mostramos como essa argumentação não se sustenta, pois o dado científico que constitui o momento definidor da vida humana é o encontro dos gametas – ou seja, a concepção –, a partir do qual existe um novo ser cujo direito à vida prevalece sobre quaisquer “direitos sexuais e reprodutivos”. Mas Barroso e o PSol também alegaram que a criminalização do aborto viola o princípio da proporcionalidade, e é sobre este aspecto que desejamos nos debruçar nesta ocasião.
Várias das argumentações apresentadas na ação naufragam diante da realidade. É surreal, por exemplo, alegar que a lei deveria ser derrubada por não impedir que as mulheres façam abortos – por esse raciocínio, seria melhor abolir todo o Código Penal de uma vez, pois não se tem notícia de crime que deixe de ser cometido por estar tipificado. Vários crimes, aliás, têm incidência bem maior que o aborto, e seus autores inclusive arriscam a vida cometendo-os; nem por isso se considera a possibilidade de legalizá-los. Mas este nem é o maior furo da ação: seu grande erro é tentar aplicar o princípio da proporcionalidade de forma completamente equivocada.
O próprio texto da ação define o princípio da proporcionalidade como “um método para maximizar os efeitos do controle da constitucionalidade de leis restritivas de direitos fundamentais”, e aqui reside o erro fundamental dos abortistas: que “direito fundamental” é restringido pelos artigos do Código Penal que proíbem o aborto? Não seria o “direito à autonomia sobre o próprio corpo”, pois o nascituro é outro indivíduo, e não parte do corpo da mulher. Existiria, porventura, um “direito ao homicídio” ou um “direito a matar o filho”? A resposta a essa pergunta é um tanto óbvia. O raciocínio segundo o qual os artigos 124 e 126 do Código Penal “restringem um direito” é tão absurdo quanto pensar que os artigos 155 e 157, que definem o furto e o roubo, restringem o direito à propriedade, como se houvesse um “direito a apossar-se do alheio” que estivesse sendo sufocado pela lei. Daí se conclui que o princípio da proporcionalidade nem pode ser aplicado ao caso do aborto – ou, pelo menos, não da maneira como pretendem Barroso e o PSol.
Como a Gazeta do Povo mostrou em reportagem, toda a argumentação da ação se resume em promover os direitos da mulher negando os mesmíssimos direitos ao nascituro indefeso e inocente, que passaria a poder ser eliminado com o uso de métodos que, inclusive, beiram a tortura. Trata-se da pura e simples desumanização do indivíduo ainda por nascer, uma verdadeira barbaridade.
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