O Ministério da Educação e o Inep, órgão do MEC que organiza o Exame Nacional do Ensino Médio, anunciaram nesta quarta-feira o adiamento do Enem 2020, que estava programado para ocorrer em 1.º e 8 de novembro na versão impressa, tradicional, e em 22 e 29 de novembro na versão digital. As novas datas ainda não foram confirmadas, pois o MEC pretende realizar consultas públicas com os inscritos para ouvir sugestões sobre o calendário, mas a nota em que o ministério anunciou o adiamento afirma que “as datas serão adiadas de 30 a 60 dias em relação ao que foi previsto nos editais” – ou seja, na pior das hipóteses o exame ocorreria em janeiro.
A data do Enem tinha virado motivo de uma queda de braço entre o governo e o Congresso, onde já havia um projeto de lei com a intenção de mudar o calendário do exame, aprovado no Senado e que seria analisado pela Câmara dos Deputados. Além disso, entidades como a União Nacional dos Estudantes e a Defensoria Pública da União haviam buscado a Justiça com o mesmo objetivo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) indeferiu mandado de segurança da UNE e da União Nacional dos Estudantes Secundaristas, mas por questões puramente formais, sem analisar o tema em si; em outra ação, a DPU venceu na primeira instância, mas perdeu na segunda, quando um desembargador do TRF-3 alegou as dificuldades logísticas que ocorreriam com a mudança nas datas.
Se o horizonte com que o MEC trabalha é de um atraso que não supere os dois meses, a mudança de data do exame parece, no momento, a atitude mais razoável
Por que, então, o ministro Abraham Weintraub, que vinha resistindo aos pedidos de adiamento, mudou de ideia subitamente? Ainda que, como afirmou à Gazeta do Povo uma fonte de dentro do MEC, o anúncio tenha ocorrido principalmente para contornar o Congresso e poder manter o controle do processo nas mãos do Poder Executivo, e não tanto por uma mudança de convicção da parte do ministro, a decisão não deixa de mostrar prudência, especialmente se o adiamento se mantiver dentro das expectativas anunciadas pelo Inep em sua nota.
Segundo os números do próprio Inep, que continua recebendo inscrições para o Enem até esta sexta-feira, quase dois terços dos candidatos já concluíram o ensino médio e, por isso, não seriam prejudicados pela manutenção das datas originalmente previstas. Por esse ângulo, manter as provas em novembro (isso, evidentemente, contando que até lá a pandemia estará sob controle, permitindo a realização do exame) forneceria um horizonte temporal concreto que esses candidatos continuariam a ter em mente durante sua preparação. Além disso, todos os demais processos que dependem do Enem – como as inscrições para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que preenche vagas em universidades federais; o ProUni, que concede bolsas em faculdades privadas; e o Financiamento Estudantil (Fies) – também poderiam manter seus calendários sem maiores transtornos.
No entanto, o contingente de mais de um terço dos candidatos que ainda estão cursando o ensino médio e que, no momento, estão em casa é significativo e não pode ser ignorado. Tanto as entidades que pleitearam o adiamento do exame na Justiça quando os defensores do projeto de lei que previa a mudança de data alegam que a quarentena prejudicará a preparação dos estudantes que têm menos condições de acompanhar aulas a distância, aprofundando a desigualdade entre os candidatos – que, dada a disparidade entre sistemas de ensino, já existia mesmo em condições normais, antes da pandemia.
- Escolha educacional para os pobres também (artigo de Anamaria Camargo, publicado em 18 de maio de 2020)
- As razões da não utilização do ensino a distância (artigo de Fábio Viana Ribeiro, publicado em 23 de abril de 2020)
- Gigantesco desafio para as escolas, em especial as privadas (artigo de Jacir Venturi, publicado em 17 de abril de 2020)
Esta nova dificuldade que aflige os que ainda estão por terminar o ensino médio é evidente, mas talvez houvesse meios de contorná-la sem impor o adiamento do Enem (e do correspondente ingresso no ensino superior) a todos os demais candidatos. Um exemplo seria a realização de uma edição extraordinária da prova para os que, julgando ter sua preparação prejudicada durante a quarentena, assim o preferissem, com correspondentes rodadas adicionais do Sisu e do ProUni para o início de novas turmas universitárias com atraso de no máximo um semestre. Reconhecemos, no entanto, que isso geraria um desafio logístico duplicado e exigiria enorme coordenação com todas as instituições de ensino superior que selecionam seus alunos usando a nota do Enem.
Da reabertura dos negócios ao Enem e até mesmo à realização das eleições, as autoridades estão diante de decisões difíceis, especialmente no que diz respeito a eventos que já tinham calendários definidos e que não podem aguardar até o último instante para serem adiados. Se o horizonte com que o MEC trabalha é de um atraso que não supere os dois meses – tanto para o Enem quanto para tudo o que vem depois, como os processos seletivos e o início do ano letivo de 2021 nas faculdades –, a mudança de data do exame parece, no momento, a atitude mais razoável, pois não prejudicará demais quem já terminou o ensino médio e anseia por entrar logo no ensino superior, enquanto concede um tempo adicional valioso para quem tem seus estudos afetados pela quarentena.
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