Não há dúvida de que a redução da fome no mundo depende do aumento da circulação dos produtos agroindustriais entre os países. As nações mais pobres somente conseguirão reduzir a fome e a pobreza se elas tiverem acesso a produtos de outras regiões do planeta, o que depende do maior volume de trocas internacionais de produtos primários para que esses produtos cheguem às regiões pobres.
Assim, o livre-comércio entre as nações é defendido por muitos analistas por considerarem que ele é benéfico para melhorar o padrão de alimentação da população mundial. Entretanto, são tantas as formas de livre-comércio que as discussões se embaralharam e as negociações para reduzir os subsídios e o protecionismo necessários para ampliar o comércio, não avançaram.
Para alguns analistas e organismos internacionais, como o Banco Mundial, a ampliação do comércio mundial de alimentos depende da retirada de entraves, a exemplo da taxação de importação (como fazem os Estados Unidos), dos subsídios a produtores internos (como fazem o Japão, os Estados Unidos e a Europa) e da redução das barreiras não tarifárias (proibição de importação por questões sanitárias e outras).
Independentemente das conclusões sobre os efeitos negativos e positivos do livre-comércio, o governo norte-americano historicamente pautou-se por defender o livre-câmbio e a redução dos subsídios e protecionismos. O próprio Consenso de Washington (derivado do encontro realizado em 1989 entre políticos, economistas e organismos internacionais) pregava a "liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a impulsionar a globalização da economia".
Com pequenas variações nos seus diversos governos, os norte-americanos tornaram-se defensores do Consenso de Washington e passaram a cobrar da comunidade econômica mundial o alinhamento com essas políticas, em nome da redução da pobreza e da melhoria do bem-estar mundial. Entretanto, neste momento, a credibilidade do governo norte-americano para falar em redução de subsídios e protecionismos é baixa. O governo Obama acaba de prometer "a maior ofensiva do país no comércio internacional do agronegócio", cuja meta é dobrar as exportações do setor em cinco anos. Os instrumentos seriam subsídios e outras formas de protecionismo ao produtor dos Estados Unidos, numa demonstração clara de que não há mais Consenso de Washington nem defesa do livre-comércio, nos termos em que aquele país andou defendendo.
Na defesa da sua proposta, membros do governo norte-americano argumentam que a situação do agronegócio no país é preocupante e que é necessário agir para não piorar ainda mais os efeitos da crise financeira. Caso Obama leve as políticas anunciadas adiante, os Estados Unidos perderão toda a condição moral para criticar o protecionismo e as tarifas de importação que outras nações mantêm. Ademais, esse caminho enterra, pelo menos por um bom tempo, a ideia da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Diante de tal quadro, o governo brasileiro tem a obrigação de examinar as consequências para o agronegócio nacional e agir de forma pragmática, rápida e eficiente. Ainda que haja virtudes no livre-comércio e na abertura comercial, as ações governamentais devem pautar-se pela defesa da economia brasileira, sem dar muito ouvido para as conversas do governo norte-americano. O Brasil tem a vantagem de que a melhoria na taxa de câmbio já seria suficiente para melhorar a situação do agronegócio exportador. Porém, caso a taxa de câmbio se mantenha em baixos níveis, é necessário saber que políticas seriam eficientes para que o exportador brasileiro possa competir com os concorrentes internacionais e enfrentar o protecionismo crescente.
Subsídios e protecionismos podem não ser boas políticas no longo prazo, mas, diante das práticas anunciadas pelo governo dos Estados Unidos, o Brasil não pode deixar de agir na defesa da economia nacional e dos exportadores brasileiros.