Em uma frase: o Paraná perdeu não apenas a locomotiva do crescimento econômico, mas alguns vagões importantes aportaram em outras unidades federativas

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O começo do governo Beto Richa foi marcado pela sinalização do firme propósito oficial de garantir o restabelecimento da eficiência administrativa e o saneamento das finanças públicas no estado do Paraná, especificada na comunicação de duas linhas de ações integradas. A primeira delas correspondeu à determinação de suspensão do pagamento dos dispêndios correntes do Poder Executivo, cobertos com recursos de qualquer origem, por um período de até 90 dias, salvo os valores inferiores a R$ 50 mil e R$ 60 mil, subordinados à expressa autorização do secretário de cada pasta e de um comitê especial, respectivamente. O segundo caminho compreendeu a implementação de providências visando à diminuição de, pelo menos, 15% dos gastos com o custeio da administração, exceto aqueles vinculados às áreas de saúde, segurança e educação.

Tais procedimentos, batizados pela ciência econômica de ajuste fiscal, foram empregados no Brasil a partir de 1999 e caracterizados pela perseguição da geração de saldos positivos na contabilidade primária das distintas instâncias governamentais (União, estados e municípios) para fazer frente aos fluxos de caixa requeridos para o cumprimento dos compromissos reservados aos juros incidentes sobre a dívida líquida do setor público, o que foi viabilizado essencialmente pela crescente subida da carga tributária.

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Essa estratégia representava, na prática, uma permanente transferência de renda dos agentes produtivos (empresas e famílias) para o segmento financeiro, mediada pelo governo, o que estreitava os espaços relevantes para a canalização de haveres na direção do suprimento das demandas por inversões em capital social básico, notadamente em infraestrutura.

É exatamente esse tipo de conduta que o ajuste fiscal do princípio da gestão Richa repudiou. Nas circunstâncias atuais, trata-se da efetiva feitura da lição de casa, com o governo cortando a própria ração, sem onerar os demais atores sociais, inspirada em duas ordens de heranças indesejáveis: uma conjuntural e outra estrutural.

O eixo conjuntural abarca a observação da enorme velocidade de expansão das despesas públicas no exercício de 2010 – não plenamente capturada e/ou detalhada pelo grupo de transição, em razão das costumeiras barreiras institucionais erguidas nestes momentos –, acoplada ao atendimento dos contratos e pleitos ligados ao ciclo eleitoral, incluindo as diferentes espécies de interesses, alguns legítimos outros não, que gravitam em torno da máquina pública.

A raiz estrutural do esforço fiscal anunciado repousa na constatação do desequilíbrio crônico das contas públicas, marcado pelo predomínio das rubricas correntes e financeiras na execução dos orçamentos, e pela absoluta omissão quanto à deflagração de programas de investimentos. Nos últimos oito anos, as despesas com pessoal do governo estadual subiram de 44% para quase 50% do total, enquanto os gastos com investimentos declinaram de 9% para menos de 5%.

Em idêntico intervalo, o Paraná registrou moderada inserção no estágio ascendente vivido pela economia internacional depois de 2002, acompanhado pelo Brasil a partir de 2005, o que pode ser evidenciado pelo declínio da participação do estado no Produto Interno Bruto (PIB) nacional, de 6,4% em 2003 para 5,9% em 2009. Em uma frase: o Paraná perdeu não apenas a locomotiva do crescimento econômico, mas alguns vagões importantes aportaram em outras unidades federativas.

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Diante desse quadro, parece razoável admitir o caráter crucial de restauração de um ambiente propício à multiplicação de negócios nos limites geográficos do estado, por meio da derrubada da relação conflituosa entre as órbitas pública e privada, prevalecente nos tempos recentes, e do resgate da presença e interferência política do Paraná na esfera federal, com a apresentação e defesa de projetos compatíveis com os anseios e carências da sociedade local, como a diminuição do preço dos pedágios e o fim do passeio do ICMS da energia.

Igualmente expressiva seria a recomposição dos requisitos orçamentários capazes de devolver capacidade de investimento ao setor público e ativar as economias externas exigidas pelo aparelho privado, inclusive com a celebração de parcerias. Nessa perspectiva, o ajuste fiscal em execução constitui indicação clara de alteração de posições das prioridades das iniciativas governamentais.

O enorme estoque de capital político conquistado nas urnas ensejou, ao governo Richa, a incontestável autoridade de escolha entre o consumo presente e o investimento, variável antecedente de etapas de desenvolvimento. Por certo, a decisão de contenção e racionalidade nos gastos abre flancos para a organização de mecanismos e instituições capazes de assegurar mais recursos para vitaminar a vertente dos investimentos, particularmente nos gargalos físicos e gerenciais da logística de transportes.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes).