Praça dos Três Poderes, no centro de Brasília.| Foto: José Cruz/Agência Brasil
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Uma das questões mais intrigantes na história das nações é a constatação de que países aquinhoados com terra fértil e recursos naturais abundantes não conseguiram se desenvolver, não superaram a pobreza e não se tornaram ricos (o Brasil é um desses casos), enquanto outros sem recursos naturais e com solo hostil (como o Japão e Israel) progrediram, atingiram a riqueza material e superaram a pobreza. As razões por que algumas nações se desenvolvem enquanto outras se mantêm no atraso e com baixo nível de bem-estar social estão entre as questões mais estudadas pelos teóricos da economia, sociólogos e cientistas políticos, mas também estão entre as menos compreendidas.

O Brasil oferece ao mundo um bom estudo de caso. Tendo tudo para enriquecer e ingressar no clube das nações adiantadas, o país permanece no atraso, na pobreza e na miséria de grande parte de sua população, com elevado grau de desigualdade social, violência urbana, baixa renda por habitante e um sistema de Justiça disforme e disfuncional, mesmo dispondo de extenso território e recursos naturais ricos e abundantes. O economista Douglass North (1920-2015), ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1993, foi um dos grandes estudiosos que tentaram entender esse problema. Ele ganhou notoriedade por suas pesquisas a respeito da qualidade das instituições como fator decisivo para o crescimento econômico e saída do estado de pobreza.

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O elemento central para levar uma nação ao progresso econômico e ao desenvolvimento social é a confiança da sociedade nas instituições, no cumprimento dos contratos, nas regras sociais, na palavra empenhada e no comportamento ético

North escreveu que as crenças, a cultura e a mentalidade do povo e, como consequência, a qualidade das instituições são fatores decisivos na determinação do progresso ou do atraso de uma nação. Como qualidade das instituições ele cita, entre outros aspectos, a garantia do direito de propriedade, a proteção dos contratos juridicamente válidos, a estabilidade da moeda, o funcionamento regular do parlamento, a eficácia da Justiça e a estabilidade das leis. Segundo North, essas características nacionais fazem parte das fontes de estímulo do espírito de iniciativa, do bom funcionamento do mercado e do crescimento do Produto Interno Bruto, condições estas necessárias para o crescimento e a superação do atraso.

Outro estudioso que oferece pistas importantes para o entendimento do problema do atraso é o sociólogo e cientista político Alain Peyrefitte (1925-1999), especialmente em sua obra A Sociedade de Confiança, que resultou de pesquisas e observações feitas durante mais de quatro décadas nas viagens de estudos que ele empreendeu por cinco continentes e pelas experiências como político e como ministro na França por várias vezes. A tese de Peyrefitte é de que o elemento central para levar uma nação ao progresso econômico e ao desenvolvimento social é a confiança da sociedade nas instituições, no cumprimento dos contratos, nas regras sociais, na palavra empenhada e no comportamento ético capaz de minimizar a incerteza e criar um ambiente no qual se sabe o que esperar dos outros e das instituições.

Alain Peyrefitte afirma: “Foi o conhecimento do Terceiro Mundo que me convenceu de que o capital e o trabalho – considerados pelos teóricos do liberalismo e os do socialismo como os fatores do desenvolvimento econômico – eram na realidade fatores secundários; o fator principal do desenvolvimento é um terceiro, o qual chamei de terceiro fator imaterial, ou seja, o fator cultural”. Segundo ele, a sociedade de confiança é uma sociedade em expansão, na qual se pratica o jogo do ganha-ganha, o indivíduo confia na autoridade, a população confia no governo, as pessoas acreditam na Justiça, a lei protege os contratos, os cidadãos cumprem as regras – muitas vezes sem precisar de fiscalização ou de punição –, a corrupção é pequena, o governo é razoavelmente eficiente e a população se sente representada pelos políticos que elege.

Contrariamente, em uma “sociedade de desconfiança”, o povo não acredita nas autoridades, não espera que a Justiça funcione, não confia no governo, não confia nos políticos, não acredita no Estado e, de fato, os serviços governamentais funcionam cheios de corrupção e ineficiência. O Brasil vive um momento em que o descrédito nas instituições – sobretudo o descrédito no governo (em todos os governos), no parlamento e na Justiça, e a descrença na punição de criminosos – foi agravado e se consolidou como crença nacional, criando um ambiente de frustração, prejudicial aos negócios e ao crescimento econômico. A desconfiança, no Brasil, se estende mesmo aos atores não institucionais, como descobriu em 2018 pesquisa do Latinobarômetro: apenas 4% dos brasileiros confiam em outras pessoas, e para 84,2% dos entrevistados apenas os parentes e amigos são confiáveis. É um cenário desolador que entidades como o Instituto Sivis estão tentando mudar por meio de iniciativas como o Cidade Modelo.

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Em 2018, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou estudo sobre a economia brasileira no qual afirma que o crescimento econômico somente seria possível se o país fosse capaz de executar melhorias, especialmente quanto à ampliação da liberdade econômica, reestruturação do mercado de crédito, priorização do setor privado como motor do crescimento, aumento da eficiência do governo e combate à corrupção endêmica que há tempos vem destruindo a ética pública. Pelos estudos e pesquisas de autores isolados ou pelos relatórios de organismos internacionais chega-se à conclusão de que um dos elementos essenciais para explicar a pobreza e o atraso do Brasil é a má qualidade das instituições e a baixa taxa de confiança da sociedade brasileira em si mesma e em suas instituições. Esse é o desafio mais difícil de vencer, pois trata da cultura nacional, da mentalidade geral da população e das crenças em relação ao funcionamento da sociedade e do governo.