As alas política e econômica do governo se chocaram novamente na definição sobre o Auxílio Brasil, o programa social do governo Jair Bolsonaro que substituirá o Bolsa Família. Se até pouco tempo atrás já estava sendo necessário fazer uma série de malabarismos para garantir o pagamento de R$ 300 mensais, o objetivo do governo, agora, é pagar um benefício médio de R$ 400 a 17 milhões de famílias – mas, para isso, será preciso desmoralizar ainda mais o teto de gastos, que já anda repleto de furos.
Segundo relatos de bastidores, Bolsonaro estaria alinhado com o grupo político, derrotando a área econômica, que pregava uma aderência maior ao teto de gastos. Se prevalecer a ideia de R$ 400 mensais, apenas o calote nos precatórios que o governo quer consagrar por meio de uma emenda constitucional não será suficiente; seria preciso deixar R$ 30 bilhões fora do teto, do total de R$ 90 bilhões que o Auxílio Brasil passaria a custar. O truque formal para conseguir o dinheiro seria considerar essa parte da despesa como crédito extraordinário, mas o expediente desagrada a equipe econômica, que não considera existirem os requisitos necessários – imprevisibilidade e urgência – que justifiquem a edição desse tipo de crédito.
O desarranjo fiscal é monstro difícil de conter. Uma vez disparado o processo, sua reversão exige uma dose de esforço e responsabilidade que, infelizmente, raramente se vê em Brasília
A reação do mercado financeiro foi imediata, com bolsa de valores em queda e o dólar disparando para superar a marca de R$ 5,60 antes de fechar em R$ 5,59. Não há surpresa alguma neste movimento, já que a irresponsabilidade fiscal e a crença na geração espontânea de dinheiro público estão na raiz do movimento de desvalorização do real que se iniciou durante a pandemia, graças ao enorme gasto feito para conter os efeitos econômicos da Covid-19. No entanto, se despesas como o auxílio emergencial e as compensações para funcionários que tiveram salário reduzido ou contrato suspenso eram necessárias nos momentos mais duros da pandemia, o que ocorre agora é de outra natureza: a insistência na elevação de gastos e o desprezo pelo ajuste fiscal que deveria ocorrer após a explosão da despesa, mesmo em um contexto de recuperação da economia e recuo da Covid-19 em todo o país.
O desarranjo fiscal é monstro difícil de conter. Uma vez disparado o processo, sua reversão exige uma dose de esforço e responsabilidade que, infelizmente, raramente se vê em Brasília. Desde que começaram a surgir as primeiras ideias para bancar um novo programa social, ficou claro que a opção tanto do Executivo quanto do Legislativo era pela gastança e não pelo ajuste. Se algo mudou, foi apenas a intensidade do fenômeno; afinal, não se trata só do Auxílio Brasil, mas também de várias outras despesas, como as emendas parlamentares cada vez mais inchadas, especialmente graças às novas “emendas de relator”, ou os fundos tão imorais quanto bilionários para bancar partidos e campanhas políticas. Para tudo isso é preciso achar dinheiro, mas ele jamais vem de cortes em outras áreas; é quando entra em cena o vale-tudo fiscal que inclui burlas ao teto de gastos, calote em precatórios (endossado até mesmo pela equipe econômica, diga-se de passagem) ou aumento de impostos, como no caso do IOF elevado para bancar as parcelas de 2021 do Auxílio Brasil.
O martelo, no entanto, ainda não está batido. Nenhum anúncio formal foi feito até o momento, e a equipe econômica segue tentando impedir a desmoralização completa do teto de gastos, com todos os efeitos que ela teria sobre a percepção de confiança do Brasil diante dos investidores. O populismo gastador é resposta fácil, rápida e que traz dividendos de curto prazo, mas ele cobra seu preço no médio e longo prazo, como lembra qualquer brasileiro que viveu os anos de PT no poder e não esteja cego pela ideologia. O ajuste e a responsabilidade são caminho difícil, muitas vezes doloroso, mas uma economia em ordem cria condições para um crescimento que beneficiará todos os brasileiros, especialmente os mais pobres.