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O Brasil digital e o Brasil analógico

APLICATIVOS CELULAR (Foto: Gazeta do Povo)

Nesta quinta-feira (25), a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) divulgou o relatório da 30ª Pesquisa Anual do Uso de Tecnologia de Informação, confirmando que o Brasil está mergulhando de cabeça no mundo digital. O investimento em TI cresceu para 7,9% da receita das empresas, mantendo uma tendência de incremento que a estagnação econômica não reverteu. O Brasil já está bem acima da média mundial, embora ainda atrás dos Estados Unidos, na taxa per capita de computadores e smartphones. A previsão é de que o país alcance a taxa de um computador por habitante nos próximos cinco anos – no total, em 2019, haverá 420 milhões de dispositivos digitais operando por aqui.

Os dados vêm reforçar uma pesquisa inédita divulgada pela consultoria McKinsey no início do mês, que mostra que os brasileiros estão mesmo imersos no mundo digital. Mais de dois terços da população do país já têm acesso à internet – ante 53% da média mundial. No Brasil, 38% das pessoas têm acesso à internet pelo computador e 90% por meio de smartphones – e os brasileiros já passam cerca de 9h por dia conectados, só perdendo para os filipinos. Curiosamente, porém, o Brasil não tem nenhuma empresa de tecnologia entre as 10 maiores do país, enquanto o setor já representa 38% do valor das 10 maiores chinesas e 67% das 10 maiores empresas dos Estados Unidos.

A cada ano perdido, a distância entre o Brasil e os países desenvolvidos aumenta.

Por que um país com um potencial de consumo tão grande no mercado digital está tão atrasado na corrida tecnológica? A primeira razão desse atraso deve-se ao déficit de infraestrutura e investimentos. A média da velocidade da internet no Brasil é de 13 Mbps, bem abaixo da média mundial de 31 Mpbs, e ainda menor que a dos Estados Unidos e do Sudeste Asiático, que está em 46 Mbps. O país investe apenas 1,3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, contra 2,1% na China e 2,6% nos Estados Unidos. Ajuda a explicar esse atraso também a pouca abertura comercial da economia: enquanto Chile tem acesso a 95% dos mercados mundiais por meio de algum tipo de acordo, o Brasil tem apenas a 5%, o que reduz drasticamente o incentivo ao investimento privado.

Uma segunda razão é a burocracia estatal, especialmente deletéria para um setor dinâmico, em constante mutação e cujos processos empresariais estão cada vez mais acelerados. O Brasil está na 109ª posição entre 167 países no ranking de competitividade do Banco Mundial. Dois terços das empresas fecham as portas antes de cinco anos de funcionamento, e o custo de fechamento de uma empresa no país pode ser até 44% maior que o custo de abertura, que já é quase impeditivo em termos monetários e de tempo. O desestímulo ao empreendedorismo e ao risco, vital para liberar o potencial da criatividade, é brutal. Diante desse quadro, chega a ser quase um milagre que o ecossistema de startups financeiras tenha multiplicado por oito seu tamanho nos últimos três anos.

Além da falta de clientes, a falta de crédito – outro gargalo estrutural – é a principal razão para o fechamento das empresas no país, mas logo em seguida aparece a falta de conhecimento e expertise. Isso nos leva à terceira razão para explicar esse atraso: a estagnação da produtividade nas últimas décadas. Embora o Brasil tenha conseguido aumentar o número médio de anos na escola dos brasileiros, e o investimento na educação, em percentual do PIB, já ultrapasse a maioria dos países desenvolvidos, a produtividade do brasileiro ficou estagnada nos últimos 40 anos. No mesmo período, a produtividade chinesa mais que triplicou. A produtividade americana, que era cerca de três vezes maior que a brasileira, hoje já é quase cinco vezes maior. Não haverá solução para isso enquanto o Brasil não mudar o modelo e a gestão educacional.

Somos, portanto, um dos líderes no consumo de tecnologia e informação no mundo, mas não conseguimos transformar isso em desenvolvimento pleno. Os consumidores são digitais, mas o país continua analógico. Há um enorme capital humano desperdiçado e gargalos que persistirão enquanto o Brasil não reduzir a burocracia, enxugar o Estado e der eficiência ao setor público, além de liberar o orçamento – hoje engessado em 94% e consumido com o rombo na Previdência e com o funcionalismo – para investimentos em áreas com potencial multiplicador, como ciência, tecnologia e inovação (CT&I). A cada ano perdido, a distância entre o Brasil e os países desenvolvidos aumenta. Em um cenário de Revolução Industrial 4.0, em que inteligência artificial, robótica e nanotecnologia são realidades cada vez mais palpáveis, esse atraso é intolerável.

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