A presente crise no Leste Europeu colocou em evidência o que agora se revela uma fragilidade da economia brasileira, e que precisa ser objeto de especial atenção do Estado e dos empresários. Com uma das maiores produções agrícolas do mundo, o Brasil depende muito da importação de fertilizantes para garantir suas safras. Cerca de 85% do produto utilizado nas lavouras brasileiras vem de fora do país.
Em tempos de paz, quando o comércio internacional está fluindo com tranquilidade, o grande volume de importação de determinado item não chega a ser um problema, já que, em geral, a opção por trazer um produto de fora costuma ser justificada por um raciocínio econômico bastante simples: é mais barato importar do que produzir internamente. Contudo, eis que Vladimir Putin decidiu que era hora de o mundo regredir aos tempos em que países invadiam uns aos outros, em busca de expansão territorial, e assim a normalidade na relação entre as nações sofre um choque nada desprezível. As mais afetadas, é claro, são aquelas que faziam negócios estratégicos com os países diretamente envolvidos no conflito. No caso do Brasil, a metade de todo o fertilizante importado vinha justamente da Rússia e de seu principal aliado na região, Belarus.
Atualmente, as informações do governo dão conta de que os estoques brasileiros durariam até outubro em caso de interrupção do abastecimento, mas estimativas menos otimistas no mercado falam que o limite se encontra mais próximo do final de junho. O preço pago pela tonelada de fertilizante importado já subiu nos primeiros meses deste ano cerca de 128,8% em relação ao mesmo período do ano passado – e isso ainda sem o impacto do conflito no Leste Europeu. Essa dependência colocou a diplomacia brasileira numa saia justa em um momento em que todo o mundo livre se mobiliza contra a potência invasora.
É verdade que o assunto não é novo. Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), a dependência do país vem aumentando consideravelmente na última década. Em 2015, o montante de fertilizantes que vinha do exterior era de 70%. O percentual subiu para 83% em 2020 e segundo os dados mais recentes chegou ao atual patamar de 85% no ano passado. A demanda pelos insumos cresceu 14,2% em relação a 2020, ano em que já havia uma alta de 11,9% em relação a 2019.
Atualmente, O Brasil se encontra na quarta posição entre os maiores consumidores de fertilizante, atrás apenas da China, Índia e Estados Unidos. No entanto, quando se trata do chamado de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), somos os campeões. Nenhum outro país importa tanto quanto o nosso.
Quais as razões disso? De maneira geral, o clima brasileiro é favorável à agricultura, mas o solo é relativamente pobre de nutrientes. O agronegócio se modernizou e a demanda de exportação aumentou consideravelmente, assim como a área reservada ao plantio. Isso contribuiu para um aumento exponencial da necessidade de fertilizantes com o passar dos anos.
Segundo o governo, o que explica em parte a falta de produção nacional seriam regulações ambientais que impedem o país de utilizar seu potencial máximo de mercado para a extração dos insumos em seu próprio solo. Em 2021, o Ministério de Minas e Energia anunciou a descoberta de novas jazidas de potássio na Bacia do Amazonas. Isso amplia em 70% a potencialidade sobre depósitos de silvinita, do qual se extrai o potássio. Segundo a pasta, é possível afirmar a existência de ao menos 3,2 bilhões de toneladas do minério. Somente na região de Autazes, haveria uma mina com potencial de exploração que supriria 25% do que o país importa de potássio. O problema é que essa reserva se encontraria localizada em terra indígena e a atual legislação brasileira não permite sua exploração, nem sequer com o consentimento e compensação dos povos que ali residem.
A questão, porém, parece ser mais complexa do que um dilema legislativo. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou recentemente um estudo apontando que, na verdade, o Brasil teria reservas de potássio suficientes para sustentar sua demanda interna até 2100. De toda essa riqueza, apenas 11% se encontrariam em solo pertencente a povos nativos. Somente os estados de Minas Gerais, Sergipe e São Paulo possuem reservas na ordem de 894,8 toneladas do minério.
O que é preciso fazer para resolver esse imbróglio? Tudo indica que o debate atual não irá solucionar o problema mais imediato. Uma indústria de fertilizantes não se constrói da noite para o dia, com ou sem entraves de regulamentação. A diplomacia brasileira precisará demonstrar habilidade para lidar com os riscos de escassez e encontrar alternativas de curto prazo para mitigar os seus efeitos sobre o agronegócio brasileiro e a mesa dos consumidores.
O momento, na verdade, pode até mesmo se converter em oportunidade para resolver impasses e alavancar ainda mais nosso potente agronegócio. Por um lado, convém que o problema legal seja debatido nas instâncias pertinentes, desde que respeitada a autonomia dos povos indígenas para decidir sobre autorização ou não da extração. Por outro, entendemos que o debate não deve se restringir a esse único ponto. É hora de colocar empresários, pesquisadores e governantes na mesa para entender todas as razões envolvidas no subaproveitamento desse potencial. A negociação de eventuais subsídios ou benefícios fiscais para permitir o florescimento de uma indústria tão vital para o futuro da economia brasileira não deve ser um tabu num momento em que a cadeia de distribuição global de insumos se encontra ameaçada por sucessivos acontecimentos inusuais.
Tudo indica que o debate atual não irá solucionar o problema mais imediato. Uma indústria de fertilizantes não se constrói da noite para o dia, com ou sem entraves de regulamentação
Em outros momentos da nossa história, setores inteiros do mercado precisaram de um pontapé inicial do Estado brasileiro que permitisse seu estabelecimento e consolidação. Parece que estamos diante de um desses momentos, em que há a necessidade de um novo arranjo que diminua a dependência do país de fertilizantes a médio e longo prazo. Talvez seja uma importante chance de reorganizar um campo estratégico de nossa economia para encarar os desafios desta década, que começou intensa e imprevisível.