Quando os Estados Unidos deram prioridade aos processos de adesão da Argentina e da Romênia à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os adversários do presidente Jair Bolsonaro se puseram imediatamente a ridicularizá-lo por ter sido “esnobado” por Donald Trump – isso apesar de o governo norte-americano ter deixado claro que havia usado um critério puramente cronológico, pois os dois países haviam solicitado a entrada na entidade antes do Brasil. Pois agora os norte-americanos cumpriram a promessa feita a Bolsonaro no início de 2019, formalizando seu apoio à adesão brasileira, e colocando o país à frente da Argentina. O secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, espera que o processo esteja concluído até 2022.
Há um motivo muito simples do ponto de vista econômico para que o Brasil tenha prioridade em relação à Argentina: entre os compromissos que a OCDE espera de seus membros está o respeito ao livre mercado. Por mais que o Brasil ainda seja uma economia bastante fechada quando se trata de comércio exterior, o novo governo de Alberto Fernández já mostrou que pretende desfazer qualquer impulso liberalizante que o ex-presidente Mauricio Macri tenha trazido à Argentina durante seu mandato. A tendência é de um fechamento ainda maior da economia argentina aos produtos estrangeiros, retornando às práticas da época de Cristina Kirchner, e de um intervencionismo crescente no âmbito interno, como acabou de ocorrer com a nova tabela de produtos com preços congelados. O Brasil, por outro lado, ruma na direção contrária, buscando maior inserção internacional e reformas internas de teor liberal, ainda tenha um longo caminho a percorrer quando se trata de promover a livre iniciativa.
A adesão à OCDE traz consigo uma série de vantagens e o Brasil deveria trabalhar para conseguir a aprovação dos demais integrantes da entidade
O processo de entrada na OCDE pode, inclusive, servir de impulso para que as reformas avancem no Brasil. Como o compromisso com a liberalização da economia é uma condição prévia à adesão, o país terá de trabalhar para tornar seu mercado mais aberto ao investimento estrangeiro e ampliar a liberdade econômica internamente. Até existe a possibilidade de os demais membros da OCDE concordarem com a entrada de um país sem que ele cumpra totalmente os requisitos em termos de legislação, mas, quando isso ocorre, é dado um prazo para que o novo membro adapte suas leis aos princípios da organização.
E não é apenas no campo econômico que o Brasil pode ganhar com a adesão à OCDE e com as mudanças legais que esse processo exige. O combate à corrupção também é um pilar importante para a entidade, que tem sua própria convenção de combate à propina e mecanismos de cooperação internacional para a apuração de crimes de colarinho branco. A leniência com a corrupção pode, inclusive, render sanções por parte da OCDE. Mesmo sem ser membro, o Brasil tem merecido a atenção da entidade neste aspecto: o chefe do Grupo de Trabalho sobre Suborno da organização, Drago Kos, esteve no país logo após o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o início do cumprimento da pena de prisão após condenação em segunda instância. A delegação da OCDE demonstrou sua preocupação com o resultado do julgamento, e ainda citou a Lei de Abuso de Autoridade, as possíveis alterações no pacote anticrime do ministro Sergio Moro e a controvérsia sobre o compartilhamento de dados entre órgãos como o Ministério Público e o antigo Coaf.
Após a visita, em dezembro do ano passado, a OCDE pediu explicações ao Brasil sobre o fim da prisão após condenação em segunda instância e algumas outras medidas que podem atrapalhar o combate à corrupção. O país tem até março para apresentar argumentos aceitáveis aos 43 países-membros da organização. Essa pressão internacional pode se tornar a única forma de vencer a bancada da impunidade no Congresso, que já demonstrou em várias ocasiões seu desprezo pela opinião pública e sua intenção de derrubar a Operação Lava Jato e amordaçar juízes e membros do Ministério Público.
A adesão à OCDE traz consigo uma série de vantagens e o Brasil deveria trabalhar para conseguir a aprovação dos demais integrantes da entidade. Ainda mais quando este esforço de adaptação às exigências da organização consiste em reformas que só beneficiarão o próprio Brasil e os brasileiros, seja tornando nossa economia mais livre e dinâmica, seja incrementando as ferramentas de combate à corrupção. Ao formalizar seu apoio à entrada brasileira (que tinha sido solicitada em 2017, ainda no governo Michel Temer), os Estados Unidos dão um impulso importante a esse processo; agora, cabe ao Brasil fazer a lição de casa.