A pandemia do coronavírus, o isolamento social, a grande queda no produto nacional, o assustador aumento do desemprego, a redução da renda de milhões de trabalhadores, a queda no consumo e a expressiva piora no padrão médio de vida médio estão constituindo um quadro desolador pintado por flagelos econômicos, sociais e psicológicos que só fizeram expor abertamente, e aumentar, duas marcas tristes da realidade brasileira: o país é muito pobre e muito desigual. A pandemia é uma catástrofe sanitária que provoca danos a todos os países onde a população é contaminada, de forma que o sofrimento individual, social e econômico não é exclusivo de nenhum país isoladamente.
Entretanto, há diferenças de sofrimento sobre a população, conforme o grau de desenvolvimento econômico, tamanho da pobreza e desigualdade entre as classes sociais verificados em cada país. As nações ricas, bem estruturadas, com elevado nível educacional e baixa desigualdade entre as classes – a exemplo de Dinamarca, Bélgica, Canadá, Alemanha – conseguem enfrentar as conseqüências com menor estrago na vida econômica e menor sofrimento dos indivíduos. Já em países pobres e com elevada desigualdade, o dano provocado pela crise é ampliado e expõe mais claramente o grau de pobreza e a desigualdade de renda entre as camadas sociais.
Em anos passados, quando houve crescimento econômico, o Brasil conseguiu reduzir a pobreza, em geral modestamente, sem ter conseguido eliminar a mais triste ferida nacional: a miséria. A avaliação do grau de desenvolvimento de uma sociedade é costumeiramente feita com base em médias – a exemplo do produto por habitante, renda per capita, escolaridade média, taxa de mortalidade infantil, expectativa média de vida etc. –, com o defeito de que as médias escondem problemas sociais graves situados nos estratos extremos do lado mais pobre. Estudos recentes com dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), realizada pelo IBGE, mostraram que houve modesta redução da pobreza média nos últimos anos e nenhuma redução miséria, e uma das causas é o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Durante quatro anos seguidos, de 2014 a 2017, sobretudo em função da grave recessão de 2015-2016, a chamada pobreza extrema cresceu, atingiu níveis alarmantes e se fez piorar o que já era um grave problema social. Estima-se que 8,3 milhões de brasileiros foram adicionados ao grupo dos pobres durante esses quatro anos citados e, como esse grupo já era enorme, o Brasil passou a apresentar a brutal cifra de 54,1 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza no início de 2018. Embora durante o ano de 2018 o número de pobres tenha sido reduzido em 1,3 milhão de pessoas, o total desse grupo, 52,8 milhões de brasileiros, ainda continuou trágico. O quadro se apresenta muito mais dramático e chocante se levado em conta que, nesse total, destacam-se 13,6 milhões no grupo dos miseráveis, equivalentes a 6,5% da população total da época.
Se a produção reagir rapidamente e o governo voltar ao equilíbrio orçamentário após a recuperação, o risco da volta da inflação pode ser praticamente eliminado
A dimensão da pobreza e da miséria brasileira somente pode ser devidamente compreendida em termos comparativos. Por exemplo, a renda média por pessoa nos Estados Unidos está em US$ 60 mil/ano, enquanto no Brasil patina abaixo dos US$ 11 mil. Na Europa, os países mais ricos andam na faixa dos US$ 40 mil/ano, alguns se aproximando dos US$ 50 mil de renda per capita anual. A pobreza em si é um problema grave, que somente consegue ser piorado quanto se analisa a desigualdade entre as camadas que ganham mais e as que ganham menos. Ou seja, a desigualdade de renda entre as classes sociais consegue piorar a pobreza, dando ares de uma dramaticidade que deveria ser inaceitável e causar indignação em todas as elites – as financeiras, as políticas, as intelectuais e as empresariais. Sem indignação capaz de unir a nação em torno de um plano que comece a consertar a pobreza, a desigualdade e a miséria, o país não conseguirá avançar nas próximas décadas.
A desigualdade em si pode não ser um problema se tiver a configuração que se encontra em países como a Dinamarca ou o Canadá, além de outros. Nesses países, há diferença entre a renda anual das famílias pobres (para o padrão deles) e das famílias mais abastadas. Entretanto, toda família pobre lá tem um padrão de vida digno, não há fome, há moradia, não há falta de escola nem falta de assistência à saúde. Ou seja, uma família pobre nesses países tem um padrão de vida confortável e sua dignidade humana garantida.
Há economistas para os quais não há saída se não houver aumento do Produto Interno Bruto (PIB) a taxas acima do crescimento população. Para eles, se o PIB cresce, logo, cresce a renda por habitante, tudo o mais vem atrás. Melhora a arrecadação tributária, o governo tem mais recursos para os serviços públicos, melhora a saúde, o saneamento, a educação e a proteção aos idosos.
Agora, a pandemia do coronavírus pega o Brasil empobrecido e frágil econômica e socialmente. O país, que já tinha 12 milhões de desempregados no início de 2020, deve chegar ao fim do ano com 20 milhões de pessoas sem trabalho e outros seis milhões com trabalho parcial. Nessa circunstância, não havia outra saída que não um amplo programa governamental de investimento e auxílio financeiro emergencial às pessoas afetadas pela pandemia e tudo o que ela causou em termos de estrago na economia nacional. Para muitos, há risco de que eventual emissão monetária para pagar os gastos públicos venha a provocar inflação. Entretanto, a economia está com tanta capacidade ociosa que, se a produção reagir rapidamente e o governo voltar ao equilíbrio orçamentário após a recuperação, o risco da volta da inflação pode ser praticamente eliminado.
Nunca é demais lembrar que, em 2018, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou estudo sobre a economia brasileira e afirmou que o crescimento econômico do país somente seria possível se melhorias fossem feitas, como: ampliar a liberdade econômica, reestruturar o mercado de crédito, priorização o setor privado como motor do crescimento, aumentar a eficiência do governo e combater à corrupção endêmica verificada nos últimos anos. Se o crescimento é condição necessária, mesmo que não suficiente, para reduzir a pobreza, diminuir a desigualdade e pôr fim à miséria, eis aí o objetivo maior da nação brasileira que, espera-se, saia dessa pandemia mais solidária e disposta a combater os flagelos sociais tão bem conhecidos.