“Quando um pobre rouba, vai para a cadeia; quando um rico rouba, vira ministro.” A frase dita em 1988 por Lula demonstrou sua atualidade de maneira sinistra: com a nomeação do próprio Lula para a Casa Civil, após dias de negociações. Acuado pela Operação Lava Jato, citado mais de uma centena de vezes na delação premiada – e homologada – do senador Delcídio do Amaral, investigado pela fraude da Bancoop, com um pedido de prisão preventiva a ser analisado, Lula se refugiou na Esplanada dos Ministérios, onde espera ser recompensado com o foro privilegiado e, assim, escapar – ao menos por enquanto – da Justiça. Mas o dia que começou com luto no Brasil e festa no Planalto terminaria de forma bem diferente.
O país sabia que levar Lula para o ministério era um escárnio, uma irresponsabilidade, talvez o mais deprimente episódio da vida política nacional nos últimos anos – anos esses que foram pródigos em escândalos. Dilma não teve a menor vergonha de colocar fogo no país com sua decisão e, ainda por cima, chegou ao cúmulo de defender a honradez do ex-presidente em entrevista coletiva. A verdade é que já não era Lula que assumia uma função no gabinete de Dilma – era Dilma que se rebaixava a serviçal do ex-presidente e, na prática, primeiro-ministro, numa troca que o filósofo Roberto Romano chamou de “golpe”. Pois Lula exigiu não apenas uma reforma ministerial, mas uma mudança na política econômica. E, a julgar por tudo o que Lula vinha pedindo enquanto estava fora do governo, sua proposta para reerguer o país é uma guinada à esquerda e a intensificação da “nova matriz econômica” que levou o país à atual crise.
O dia que começou com luto no Brasil e festa no Planalto terminaria de forma bem diferente
A oposição foi imediatamente à Justiça questionar a nomeação de Lula, alegando desvio de finalidade. De fato: segundo a Lei 4.717/1965, “o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”. E não há nenhuma dúvida de que nomear alguém para uma posição que garanta foro privilegiado com o objetivo de blindar o nomeado é caso claro de desvio de finalidade, possibilitando à Justiça declarar a nulidade desse ato administrativo.
Assim que a imprensa divulgou essa possibilidade, lideranças petistas passaram a justificar a nomeação com base nas qualidades de Lula como articulador político. Mas a realidade é que as negociações mais recentes foram motivadas pela condução coercitiva do dia 4, quando Lula foi obrigado a prestar depoimento na 24.ª fase da Lava Jato. Jornalistas com acesso aos bastidores do petismo – e inclusive alinhados com o partido – já mostraram que o foro privilegiado é a verdadeira razão pela qual tantos petistas insistiam com Lula para que aceitasse um ministério. E, se ainda havia alguma dúvida disso, no fim da tarde caiu a bomba sobre o Planalto com a divulgação de uma ligação telefônica entre Dilma e Lula, gravada pela Polícia Federal por volta das 13h30 desta mesma quarta-feira.
De manhã, Lula parecia ter assegurada até a pacificação no Congresso. Se por um lado a oposição poderia até ganhar motivos para um novo pedido de impeachment contra Dilma, pois entre os crimes de responsabilidade previstos pela legislação estão tanto obstruir o funcionamento da Justiça (artigo 6.º, 5, da Lei 1.079/1950) quanto a improbidade administrativa (artigo 85, V, da Constituição e artigo 9.º da Lei 1.079/1950), ou pelo menos dar impulso político ao processo que já corre por causa das “pedaladas fiscais”, por outro lado o presidente do Senado – onde o impeachment se decidirá –, Renan Calheiros, já havia estendido a mão ao novo superministro. Mas o coro dos deputados, após a divulgação da gravação, pedindo “Renuncia!” no plenário da Câmara, referindo-se a Dilma, também mostra que algo mudou.
Se do Executivo federal não se pode esperar o mínimo de moralidade, que sejam o Legislativo e o Judiciário a fazer seu papel. A sociedade se mantém atenta e ainda na quarta-feira foi às ruas, especialmente diante do Palácio do Planalto. É preciso demonstrar o descontentamento de maneira firme, mas dentro dos marcos legais. O país não pode engolir tamanho disparate como se fosse apenas mais uma manobra corriqueira. A nação teve motivos para luto ontem, mas não foi um luto resignado. O Brasil ainda pode impedir a vitória dos que colocaram um país inteiro a serviço de seu projeto de poder.