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Conhecimento sobre violência escolar melhorou, mas tendência a naturalizá-la continua lançando crianças e adolescentes na dor e no fracasso

"Como é que se diz hoje em dia? Bullying..." A violência escolar – não necessariamente à base de chutes e pontapés – é velha conhecida, ainda que pareça recém-batizada. Levantadas as estatísticas várias, pelo menos 40% de quem passou pelo ambiente educacional ou praticou ou sofreu maus-tratos no colégio, quando não os dois, num combo de altíssima voltagem emocional e prejuízo social.

A alta incidência do bullying nos históricos, é curioso, gera um fenômeno difícil de lidar. Deu-se um nome à violência escolar, fala-se dela, sabe-se como funciona, mas ao mesmo tempo a prática tende a ser naturalizada, não sem certo desdém. Há quem a defenda como um ritual de passagem tão inevitável quanto a adolescência; outros alardeiam, sem dó, que todos sobrevivem às agressões em série; há quem diga ser uma preocupação excessiva, própria de uma época com baixa tolerância à frustração. Impossível sustentar esse ponto de vista – o bullying causa danos psicológicos e comprovadamente leva ao que se convencionou chamar de "fracasso escolar", o pior dos mundos. Retenção, evasão e abandono do espaço de ensino. A fuga custa caro. Sabemos o que acontece com quem se perde da lista de chamada.

Não se trata de uma mera encrenca tola entre alunos, mas de um assunto de alta envergadura. Temos de encará-lo. Mas a naturalização, os prejuízos pessoais, a alta incidência, o conhecimento adquirido sobre o assunto, nada tem sido o bastante para fazer do combate ao bullying uma prática escolar prioritária. E essa é a questão. As instituições de ensino encontram dificuldades em identificar a agressão, qualificá-la, combatê-la. Não lhes falta capacidade, sobra-lhes inibição em enfrentar uma realidade que se apresenta sob disfarces e – considere-se – revela-se de forma mais contundente fora dos muros da escola, longe dos olhos.

O caráter pouco palpável do bullying despista, inclusive, as próprias estatísticas. Tanto quanto os educadores, os números teimam em não registrar a violência escolar que se dá no plano do apelido ofensivo, do rótulo, das pequenas perseguições, dos abusos repetidos, do linchamento virtual. A tese de doutorado Compreensão da violência escolar no âmbito da Polícia Militar do Paraná, do pesquisador Luciano Blasius, capitão da PM, defendida este ano no setor de Educação da UFPR, recorreu aos dados da Patrulha Escolar, de 2012 e 2013. Os levantamentos da PM em escolas de Curitiba e região identificam violências como a "agressão entre alunos" (734 registros em 2013) e "ameaça" (317 registros na mesma região e período). O bullying conta com míseras 17 ocorrências em 2012 e 12 em 2013. Mas basta tomar ônibus com guris e gurias saídos da escola para se deparar com esse tipo de agressão em seus infinitos tentáculos.

Pode-se argumentar que o que os pesquisadores entendem por bullying está diluído nas outras formas de agressão, como a ameaça, por exemplo. Mas também se pode entender que é um crime que não ousa dizer seu nome. Ele não é batizado porque – talvez num mecanismo inconsciente – teime-se em admiti-lo como real, por considerá-lo, inclusive, uma prática que "faz parte".

A pesquisa de Blasius poderia pautar o planejamento escolar em instituições dos últimos anos do fundamental e ensino médio. Já são horas de aprender a ver como se manifesta essa modalidade de agressão. Não é molecagem. Não é folguedo. É violência. Os observadores atestam e comprovam que, de uma maldade da infância, comum em todos os tempos, avançou-se para uma pandemia. Os motivos para tamanha sofisticação exigem investigação. Têm a ver com a falência das relações de vizinhança – as mediações entre filhos agressores e agredidos se dava de forma mais instantânea –, com as máscaras virtuais, com o individualismo crescente, com o consumismo, com a crise de valores. Com a própria escola. Ao se tornar menos disciplinadora, a educação tirou das amarras comportamentos que estavam lá, disfarçados, mas pulsando. Não nos iludamos.

Para quem duvida, experimente pedir um relato de bullying para quem passou da fase escolar faz umas tantas primaveras. Não vai ser preciso garimpar muito. Nem recorrer mais à desculpa de que é assunto sem importância. Não tem a menor graça. Nunca teve.

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