O primeiro turno das eleições do Chile, neste domingo (19), abriu a agitada rodada política pela qual a América Latina vai passar até o final de 2018, quando Honduras, Costa Rica, Paraguai, Colômbia, México, Brasil e Venezuela, além do próprio Chile, terão escolhido novos presidentes ou reeleito seus mandatários. É um momento delicado para os latino-americanos. Apesar de suas respectivas particularidades – e da óbvia gravidade do caso da Venezuela, governada pelo tiranete Nicolás Maduro–, os países da região passam por desafios similares, como economias que patinam, perda de confiança na democracia e uma barulhenta oposição ao establishment político.
Neste primeiro turno, o empresário Sebastián Piñera, candidato de centro-direita que já governou o Chile entre 2010 e 2014, recebeu 36,6% dos votos. O jornalista Alejandro Guiller, senador há quatro anos, garantiu, com 22,7% dos votos, a outra vaga do segundo turno, que ocorrerá no dia 17 de dezembro. Guiller congrega setores da esquerda governista alinhada à atual presidente Michelle Bachelet, que também já comandou o país, entre 2006 e 2010.
O Chile deu um primeiro passo alvissareiro e um exemplo promissor à região
A grande surpresa do domingo, porém, foram os 20,2% de votos que recebeu a jornalista Beatriz Sánchez, da “Frente Ampla”, movimento de esquerda dissidente que elegeu 20 deputados, tornando-se a terceira maior força política do país, atrás das tradicionais coalizões de esquerda – 43 eleitos – e direita – 73 eleitos – que dominam o sistema político do país desde a redemocratização em 1990. O candidato da direita conservadora, José Roberto Kast, terminou com 7,9% dos votos.
O eleitor chileno contrariou as expectativas de radicalização e optou pelo caminho da moderação e da alternância democrática, dando um voto de confiança a políticos com experiência, nesta que é a sétima eleição desde que o país saiu de uma das ditaduras mais autoritárias da América Latina. O Chile se divide em campos políticos antagônicos, como é próprio da democracia, mas mostra maturidade democrática: nenhum dos candidatos que vai para o segundo turno é um aventureiro inconsequente nem investe contra a ordem democrática. Piñera mobiliza uma agenda liberal, promete enxugar o Estado e atrair investimentos estrangeiros para aquecer a economia. Guiller quer aprofundar as reformas na saúde e na educação, que foram as marcas do governo de Bachelet.
Dois desafios, entretanto, ainda se colocam para Piñera e Guiller. Primeiro, ambos precisam escolher se investem capital político em atrair os votos do centro pendular ou se radicalizam o discurso, à direita ou à esquerda. Segundo, a alta taxa de abstenção no pleito: apenas 46% dos eleitores foram às urnas neste domingo. No Chile, o voto é facultativo e a taxa de abstenção crescente repete um fenômeno conhecido das economias mais ricas e das democracias mais consolidadas, mas, no ambiente de ressaca que atinge a América Latina, o apelo ao radicalismo pode se transformar em ativo eleitoral de curto prazo de quem semeia vento para colher tempestade.
O Chile, depois de uma década de crescimento vigoroso, puxado pelo boom das commodities, viu sua renda per capita cair a partir de 2013 e a economia desaquecer: depois de crescer a uma média de 4,5% entre 2000 e 2013, o Produto Interno Bruto patina em torno de 2% positivos ao ano desde 2014. Os resultados ruins se repetem na América Latina como um todo, em uma tendência que a política econômica desastrosa de Dilma Rousseff e a ditadura de Nicolás Maduro acentuaram no Brasil e na Venezuela. Também em comum com o restante da região, o Chile tem assistido a vultosos escândalos de corrupção, que chegaram ao filho da atual presidente, e ao aumento da desconfiança em relação à democracia, segundo as medições anuais da Corporação Latinobarômetro.
O cenário é de incertezas, mas o Chile deu um primeiro passo alvissareiro e um exemplo promissor à região. Os eleitores, escolhendo o caminho da prudência política, reconheceram que não há fórmulas mágicas para enfrentar problemas políticos e que os populismos de esquerda e de direita devem ser rechaçados pela América Latina. Oxalá esse espírito se mantenha durante a campanha, se consolide no resultado de 17 de dezembro e se repita nos demais pleitos que, até o final de 2018, escolherão os presidentes de Brasil, Colômbia, México, Venezuela, Honduras, Costa Rica e Paraguai.
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