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Editorial

O Congresso e o veto ao reajuste para os servidores

Rodrigo Maia discursa durante sessão do Congresso em 20/08/2020
Rodrigo Maia discursa durante sessão do Congresso que manteve veto a reajuste para servidores até 2021. (Foto: Agência Câmara)

Na noite desta quinta-feira, dia 20, coube à Câmara dos Deputados, na sessão conjunta do Congresso que analisa vetos presidenciais, reverter uma decisão dos senadores. Com 42 votos, incluindo o de bolsonaristas e até de um vice-líder do governo, o Senado havia derrubado o veto de Jair Bolsonaro ao trecho que permitia reajustes salariais de várias categorias de servidores, no pacote de ajuda a estados e municípios, restabelecendo a possibilidade de aumentos. A articulação na Câmara funcionou melhor e, com o apoio de 316 deputados, o texto permaneceu como desejava o governo, congelando os salários do funcionalismo.

A proibição do reajuste foi a contrapartida solicitada pelo governo federal para repassar um valor maior a estados e municípios, cuja arrecadação caiu drasticamente com a paralisação da atividade econômica decorrente da pandemia do coronavírus. Inicialmente, apenas categorias diretamente envolvidas na linha de frente do combate ao Covid-19 estariam salvas do congelamento – isso não significa que elas teriam direito automático a reajustes, mas apenas que ele poderia ser concedido. Durante a tramitação do texto, deputados incluíram várias outras categorias de servidores, com aval até mesmo do presidente Bolsonaro. O Senado, em vez de restaurar o texto original, apenas retirou os policiais legislativos da versão vinda da Câmara. Com isso, a economia inicialmente prevista com o congelamento, de R$ 130 bilhões, caiu para apenas um terço deste valor.

O congelamento de salários do funcionalismo é uma contrapartida perfeitamente razoável para a ajuda bilionária fornecida a estados e municípios

O Senado aprovou a versão final do texto em 6 de maio; no dia seguinte, Bolsonaro prometeu vetar o trecho que liberava reajustes, afirmando que “seguia a cartilha de Paulo Guedes na economia”. O veto, inicialmente prometido para o dia 13, foi sendo adiado – segundo Bolsonaro, era preciso “acertar os ponteiros” com governadores e Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. No fim, o veto só veio no fim de maio, dando tempo suficiente para alguns estados aprovarem reajustes ao seu funcionalismo e para o próprio Bolsonaro publicar medidas provisórias com reajustes para policiais e bombeiros do Distrito Federal e reformulando as carreiras da Polícia Federal.

Graças ao modo como o texto legal foi redigido, concentrando todas as categorias “salvas” em um único parágrafo (no caso, o § 6.º do artigo 8.º), o congelamento de salários acabou afetando até mesmo as categorias que o governo inicialmente aceitaria ver livres da medida, como os profissionais de saúde e segurança que estivessem na linha de frente do combate à Covid-19. Sobrou apenas a possibilidade de conceder “auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório” aos servidores da área da saúde que estejam lidando com a pandemia enquanto durar o estado de calamidade pública, pois essa previsão estava em outro dispositivo não vetado por Bolsonaro. Além disso, o mesmo veto ainda impedirá que o tempo de congelamento seja considerado para a aquisição de “anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço”, mas não prejudica a contagem de tempo de serviço para fins de aposentadoria.

O congelamento de salários do funcionalismo é uma contrapartida perfeitamente razoável para a ajuda bilionária fornecida a estados e municípios. Ele não é apenas uma ferramenta de ajuste fiscal de governos estaduais e municipais, que muitas vezes insistem em aumentar gastos com pessoal mesmo em tempos de queda na arrecadação, como é o caso atual. Também se trata de reconhecer que todos precisam dar sua cota de sacrifício. Enquanto dezenas de milhões de trabalhadores da iniciativa privada perderam o emprego, tiveram seus contratos de trabalho suspensos ou viram seu salário e jornada serem reduzidos em até 75%, os servidores públicos passarão incólumes pelo caos: gozam de estabilidade e, graças a uma decisão equivocada do Supremo Tribunal Federal, não podem nem mesmo ter salário e carga horária reduzidos. O congelamento é o sacrifício mínimo que se pode exigir neste momento, e mesmo assim ainda está muito longe de promover alguma isonomia entre o funcionalismo e os trabalhadores do setor privado, aumentando um fosso que já é enorme em condições normais.

A pandemia exige medidas extraordinárias no campo econômico, mas não é uma desculpa para a irresponsabilidade fiscal, nem para se estabelecer um grupo do qual não será exigido sacrifício algum enquanto a conta é paga pela maior parte dos trabalhadores brasileiros e suas famílias. Bolsonaro havia errado ao incentivar a inclusão de mais categorias profissionais entre aqueles que ficariam salvos do congelamento; sua demora em definir o veto deixou portas abertas para a gastança; mas, no fim, acertou ao seguir a orientação da equipe econômica e vetar este dispositivo. A manutenção do veto garante um mínimo de responsabilidade fiscal e de solidariedade entre brasileiros em tempos extremamente difíceis.

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