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Editorial

O congresso nacional do PT

O PT inicia seu congresso nacional, nesta quinta-feira, acuado externamente e dividido internamente. As maiores manifestações de rua desde as Diretas Já e as pesquisas de opinião mostram a indignação popular contra o governo; o necessário ajuste fiscal de Joaquim Levy irrita setores do partido, que não poupam críticas a Dilma Rousseff – tanto que a presidente chegou a considerar a possibilidade de não estar na abertura do evento, mas acabou alterando os planos para estar em Salvador neste dia 11. Para sair dessa situação, o partido se apoia nas ideias lançadas por seus grupos internos (as “tendências”), reunidas em um “caderno de teses” publicado no site do partido meses atrás.

A convicção de que o partido não erra dá margem a propostas antidemocráticas

As tendências, de uma forma quase unânime, mostram perplexidade e contrariedade com o fato de o descontentamento com a forma de governar petista ter se manifestado em dimensões que o próprio partido jamais conseguiu mobilizar, um pouco como se o PT considerasse a rua um monopólio seu e como se as opiniões divergentes daquelas do partido não pudessem ter voz. Não faltam também, ao longo de todo o caderno de teses, as costumeiras acusações à “imprensa golpista”, o “grande capital”, o “neoliberalismo” e o “conservadorismo”, todos movidos pelo ódio. A tendência Articulação de Esquerda fala em um partido “para tempos de guerra”, como se o objetivo do debate democrático fosse vencer pela força bruta, e não pela coerência das ideias. O tema da “luta de classes” e da classe patronal como inimiga é retomado.

Por outro lado, chama a atenção a ausência completa de menções ao envolvimento de grandes lideranças do partido em alguns dos maiores escândalos de corrupção da história recente, como o mensalão e o petrolão. Não há críticas, por exemplo, à maneira condescendente com que o partido trata membros condenados pelo Supremo Tribunal Federal, e a Operação Lava Jato só é mencionada como parte de uma estratégia para desmoralizar a Petrobras e que culminaria com a privatização da estatal.

O tom que perpassa os textos elaborados por praticamente todas as tendências é o de isentar o PT de responsabilidade pela situação atual do país. Num estilo que se caracteriza pelo bordão “a culpa é minha e eu a coloco em quem eu quiser”, o partido não assume o papel dos governos Lula e Dilma no desequilíbrio fiscal que foi construído ao longo de anos de gastança irresponsável e de crescimento baseado única e exclusivamente no estímulo ao consumo, em vez de priorizar a poupança e o investimento. A escolha de Joaquim Levy para a Fazenda é descrita como uma imposição dos “setores reacionários” e do “capital internacional”, quando, na verdade, se Dilma realmente não tinha outra escolha, foi graças a suas próprias atitudes anteriores, e não por alguma exigência externa. Nas poucas ocasiões em que alguma tendência faz um mea culpa pelo estado da economia, o discurso é o de que chegamos a este ponto porque o partido fez concessões demais ao capital e abandonou seu projeto socialista.

O vitimismo perpassa boa parte do texto: segundo os diversos autores das teses, o PT está na mira da imprensa, dos ricos, da “maioria conservadora no Congresso” (que, é preciso dizer, não caiu do céu, mas foi eleita pela população) não por causa de sua ideologia estatizante ou do uso da corrupção como método de governo, mas porque o PT “defende os pobres”, criando uma ficção em que o Brasil está repleto de clones de Justo Veríssimo (o antigo personagem de Chico Anysio que dizia querer que “os pobres se explodam”) que odeiam o PT apenas porque a legenda se coloca em defesa do brasileiro mais desfavorecido. É de admirar que haja quem acredite nesse tipo de teoria conspiratória.

O fato é que a negação (no caso da corrupção e do estado da economia) e o vitimismo em nada condizem com o discurso, presente ao longo de todo o caderno de teses, de que o partido precisa se reinventar. Não reconhecer os próprios erros é receita certa para o partido permanecer onde está. E é justamente essa convicção plena de que o partido não erra e de que os problemas são culpa dos outros que dá margem a propostas claramente antidemocráticas expressas em alguns pontos do caderno de teses, como estatizações forçadas, “controle social da mídia” e a cassação de deputados e de ministros do STF, além da insistência em contornar o Congresso por meio de uma Constituinte exclusiva para a reforma política.

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