Enquanto no Brasil o processo eleitoral se desenrola sob as regras da lei, no continente os focos de conflito põem à prova a opção pela democracia. Na Bolívia, forças políticas lideradas pelo presidente Evo Morales tentam forçar uma mudança de regra que lhe daria o controle total para "refundar" o país; na Venezuela, o presidente Hugo Chávez anunciou a convocação de um referendo para obter o direito de se reeleger ilimitadamente; e, no México, o perdedor da eleição quer criar um governo paralelo.

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No caso da Bolívia, o novo governo radical, ao lado de arbitrariedades contra interesses e cidadãos brasileiros (ocupação de refinarias de petróleo e gás e despejo de agricultores com tropas armadas), desfecha um golpe contra a democracia. Os partidários de Morales, reunidos no Movimento ao Socialismo, forçaram a mudança das regras de funcionamento da recém-eleita Assembléia Constituinte, que ao ser convocada deveria deliberar por dois terços dos votos dos membros e agora vai operar sob maioria simples, isto é, a que foi obtida pelo MAS.

A anulação do equilíbrio no país levaria ao predomínio dos deputados eleitos pelas regiões indígenas donde provém o presidente Evo Morales, interessado em reviver o mítico país aimara que habitava os Andes antes da chegada dos espanhóis. Esse radicalismo unilateral despertou protesto nas quatro províncias do Oeste, justamente as mais ricas por abrigarem atividades agrícolas, pecuárias e de exploração de petróleo e gás.

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Na Venezuela, o presidente Hugo Chávez também acaba de anunciar a convocação de uma consulta popular direta para aprovar mudança na Constituição pela qual ganhará o direito de se candidatar a reeleições ilimitadas. Na ocasião, ao retornar de mais uma visita ao dirigente cubano Fidel Castro, Chávez anunciou a transformação do país numa "república socialista bolivariana".

Ambos os líderes ultrapassam o mandato para o qual foram escolhidos, violando limitação inerente aos princípios democráticos, formulados pelo pensador britânico Harold Laski: "A escolha dos governantes e o exercício da autoridade se fizerem de conformidade com uma Constituição; a concorrência entre partidos e candidatos nas eleições for livre; e os vencedores temporários da competição respeitarem as liberdades pessoais, intelectuais e públicas".

O professor alemão Ulrich Scheuner destaca ainda, como características do regime democrático, "a provisão do poder público como tarefa temporária, de modo a evitar estruturas contínuas de poder; a moderação do poder estatal mediante a repartição de competências e o reconhecimento dos direitos". Por isso a Carta da Organização dos Estados Americanos dispõe que "líderes eleitos democraticamente devem governar democraticamente", respeitando valores como o pluralismo das correntes partidárias, equilíbrio entre os ramos do poder político e garantia das liberdades de expressão.

Nessa conjuntura instável, cabe ao Brasil e aos brasileiros, fator de estabilidade na região – como pedia Afonso Arinos –, "zelarmos por essa plantinha frágil que é a democracia".