Desde antes da votação da admissibilidade do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, já se dizia que a presidente Dilma Rousseff, caso sobrevivesse no cargo, faria uma “guinada à esquerda” em seu governo, privilegiando – ainda mais – os tais “movimentos sociais” e ressuscitando a “nova matriz econômica” que pôs o Brasil no rumo da recessão e do desemprego. Agora afastada, parece que Dilma terminou de colocar no papel os seus compromissos caso o Senado não casse definitivamente o seu mandato. O jornal Valor Econômico teve acesso a uma versão preliminar do que seria a “edição 2016” da Carta ao Povo Brasileiro, assinada por Lula na campanha eleitoral de 2002 e na qual que se buscava tranquilizar os mercados, agitados com a possibilidade de um governo de esquerda. O texto dilmista é tão surreal quanto o documento da Fundação Perseu Abramo, o think tank do PT, que pede ao governo a retomada das medidas que afundaram o país.

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A ficção começa quando Dilma afirma que a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, após sua reeleição, em 2014, foi uma tentativa de unir um país rachado pela campanha suja capitaneada pelo marqueteiro João Santana. Ao adotar o programa dos adversários, Dilma estaria estendendo uma mão amiga à oposição, alega. É uma mentira fácil de desmascarar. Levy só foi para o governo porque Dilma sabia muito bem que havia enganado o país durante a campanha, escondendo dos brasileiros a real situação das contas públicas, que estavam em frangalhos depois de anos de “nova matriz econômica”. Era preciso chamar alguém que reconstruísse o que ela havia destruído, inclusive a credibilidade internacional.

Joaquim Levy só foi para o governo porque Dilma sabia muito bem que havia enganado o país durante a campanha

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Levy, como se sabe, não conseguiu atingir o objetivo. Não por culpa “da direita e da pauta-bomba no Congresso”, como Dilma quer fazer crer, e sim porque Levy costumava ser voto vencido em um ministério no qual a ala gastadora seguia dando as cartas, com as bênçãos da presidente – uma dinâmica que foi consagrada quando a cabeça de Levy rolou, em dezembro de 2015: o escolhido para sucedê-lo foi o então ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, apontado como um dos mentores das “pedaladas fiscais” condenadas pelo TCU. “Pedaladas”, aliás, que continuaram a ser cometidas ao longo de 2015, prejudicando qualquer tipo de ordem que Levy tentasse colocar nas contas públicas.

Então, segundo a narrativa dilmista, como a oposição não aceitou a oferta de amizade feita por Dilma, preferindo sabotá-la e, por fim, promovendo um “golpe” – sim, a presidente afastada insistirá nesse discurso, apesar de o rito prescrito pelo STF estar sendo seguido, e apesar de a perícia pedida pelos próprios petistas ter comprovado o crime de responsabilidade –, ela cansou de ser boazinha: vai botar em prática seu programa de campanha. Aquele mesmo, baseado na premissa falsa de que não havia problema com as contas públicas; a continuação da “nova matriz econômica” cuja irresponsabilidade quebrou o país e nos trouxe à recessão.

A Carta ao Povo Brasileiro de 2002 era um conjunto de compromissos para efetivamente tranquilizar os brasileiros, pois o “Lulinha paz e amor” pregava o respeito aos contratos e se afastava das rupturas econômicas defendidas em campanhas anteriores – e, de fato, em seus primeiros quatro anos Lula primou pela continuidade da política econômica de FHC (as bases para o desastre só foram lançadas no segundo mandato). Já a tal carta de Dilma só tranquiliza a minoria de militantes; a maioria dos brasileiros deveria era olhar com muita preocupação as promessas que a presidente afastada faz; só resta esperar que ela jamais tenha a oportunidade de cumpri-las.