O criminalista José Roberto Batochio tem um currículo de enorme respeito. Presidiu a Associação dos Advogados de São Paulo, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e, nos anos 90, foi presidente do Conselho Federal da OAB. Não se trata de um advogado qualquer. E também não deveria contar contra Batochio – nem contra nenhum dos demais colegas que trabalham com ele – ter aceito a defesa de Lula no processo que corre contra o ex-presidente no âmbito da Operação Lava Jato. O amplo direito à defesa é componente integrante do Estado Democrático de Direito; se qualquer acusado, do mais pobre ao mais poderoso, pode e deve contar com quem atue em sua defesa (e, se não puder arcar com os custos, é obrigação do Estado fornecer-lhe um defensor), também é direito do advogado assumir as causas que desejar e colocar seus esforços em conseguir justiça para seu cliente.
Isso não significa, no entanto, que toda e qualquer estratégia de defesa seja válida, louvável ou aceitável. E, aparentemente, a equipe que defende Lula, ainda que composta por alguns dos mais renomados criminalistas do país, resolveu promover um circo no julgamento que começou em Curitiba e está na fase de depoimentos de testemunhas. Enquanto um representante do Ministério Público Federal fazia perguntas ao ex-senador Delcídio do Amaral, testemunha da acusação, a defesa passou a interromper o depoimento com questões de ordem de toda sorte, protagonizadas pelo advogado Cristiano Zanin Martins. Algumas delas foram acatadas pelo juiz Sergio Moro; outras foram recusadas, e Moro teve de explicar que as perguntas feitas a Delcídio, ainda que não necessariamente versassem sobre os contratos com empreiteiras que constituem o centro da acusação, diziam respeito a um contexto que precisava ser compreendido para se poder bem julgar o caso. “A defesa vai ficar fazendo a cada dois minutos, a defesa vai ficar levantando questão de ordem, é inapropriado. Estão tumultuando a audiência”, disse Moro.
O direito à ampla defesa tem sido respeitado em todos os momentos da Lava Jato
Foi quando Batochio interveio, dizendo que “pode ser inapropriado, mas perfeitamente jurídico e legal”, e que “o juiz não é dono do processo” – uma afirmação verdadeira, mas que, no contexto em que foi proferida, partia do pressuposto de que Moro estava extrapolando, o que definitivamente não era o caso. Vendo que não conseguiria inviabilizar o depoimento, Batochio partiu para a cartada extrema, associando a conduta de Moro ao nazismo, com uma referência velada ma non troppo: “Ou, se Vossa Excelência quiser eliminar a defesa... E eu imaginei que isso já tivesse sido sepultado em 1945 pelos Aliados e vejo que ressurge aqui, nesta região agrícola do nosso país”.
No momento em que simplesmente manter a ordem em uma audiência para impedir que uma das partes tumultue o depoimento se transforma em cerceamento de defesa, estamos diante de uma distorção indigna do nível da equipe que Lula contratou para defendê-lo. O direito à ampla defesa tem sido respeitado em todos os momentos da Lava Jato; não estamos diante de julgamentos sumários – que, aliás, não terminaram em 1945, continuando a todo vapor em regimes como o soviético ou o cubano, este último ainda hoje defendido pelo petismo. Batochio passa o mesmo vexame que passaram os petistas durante o julgamento do mensalão, quando lançaram a tese dos “presos políticos”, colocados atrás das grades em um “julgamento de exceção”.
A estratégia da defesa está, assim, lançada: tumultuar e provocar até Moro – que, por mais calejado que esteja com todos os ataques recebidos desde o início da Lava Jato, não é uma máquina – atingir seu limite e tomar alguma atitude que os advogados de Lula possam explorar como prova de que o juiz abusa de sua autoridade, o que reforçaria a absurda queixa-crime protocolada dias atrás pela defesa de Lula contra Moro. Adotar essa linha de conduta é deixar implícito que o que vale mesmo é reforçar a narrativa de perseguição política; os fatos são o que menos importa.
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