O Instituto Ipsos divulgou neste mês de abril pesquisa que mostra uma diminuição da confiança e do diálogo entre pessoas e grupos com ideias políticas diferentes. É uma tendência mundial, mas o Brasil ficou acima da média. O radicalismo nas discussões político-partidárias e a falta de disposição para aceitar diferenças viraram parte do quotidiano nacional, o que coloca um desafio imenso diante das instituições formais e informais brasileiras, uma vez que a dinâmica social e o sistema político são diretamente afetados pelo nível de confiança e relacionamento entre as pessoas.
Os dados apontam que 32% dos brasileiros acreditam que não vale a pena conversar com pessoas de visões diferentes das suas. O número ficou acima da média mundial da pesquisa (24%). Para 39% dos brasileiros, a frase “quem tem visão política diferente de mim foi enganado” é verdadeira (a média é de 37%). Ainda mais grave, 31% acham que aqueles que possuem visão política diferente das suas não ligam de verdade para o futuro do Brasil, contra 29% da média geral. Essas informações revelam quão polarizada está a sociedade brasileira, e isso se traduz na forma como tratamos familiares, colegas de trabalho e concidadãos no espaço público.
Um terço da população toma por pressuposto que quem pensa diferente está errado e de má-fé
Talvez, com a evolução dos meios de comunicação e a presença das redes sociais, esses dados causem espanto. Afinal, a facilidade de acesso à informação não deveria contribuir para uma cultura de diálogo? Desde a Constituição de 1988, já se passaram mais de 30 anos – não haveria, portanto, de ter-se formado já em nossa sociedade uma cultura verdadeiramente democrática, em que o pluralismo de ideias seja visto como uma conquista, e não como algo a ser combatido?
Para responder à primeira questão, as próprias redes sociais dão uma pista de uma das causas do problema. Já em 1942, o filósofo francês Louis Lavelle, em La parole et l’écriture, apontava que o avanço da técnica permitiu a difusão das palavras para muito além do círculo próximo que era comum a elas, criando um hiato cada vez maior entre quem profere uma mensagem e quem a recebe. Isso é muito visível nas redes sociais, onde se fala ou escreve a um público frequentemente sem rosto, e justamente por isso a tendência de tomar posições extremadas tende a aumentar. A facilidade de “deixar de seguir” pessoas com as quais não concordamos acaba por fechar as pessoas em relações virtuais com quem compartilha apenas as mesmas visões, uma tendência que pesquisas recentes vêm confirmando.
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Não é de se espantar que isso seja replicado na “vida real”. Não se nega que a internet também tenha favorecido o acesso a informações que vão muito além do que era possível imaginar antes, o que é algo muito bom. Entretanto, isso exige de quem as recebe uma capacidade muito maior de absorvê-las e julgá-las adequadamente. É necessário, portanto, que haja uma cultura e um sistema educacional que dê as ferramentas necessárias para que as informações sejam discutidas e reelaboradas, aceitas ou recusadas – e, se recusadas, de uma maneira que a opinião dos outros não seja menosprezada.
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E aqui chegamos à nossa segunda pergunta. Os valores democráticos só podem ser cultivados quando temos confiança no próximo e em sua boa-fé. Se retomarmos os dados da pesquisa, 39% dos brasileiros concordam com a frase “quem tem visão política diferente de mim foi enganado”. Pior ainda, 31% acham que aqueles que possuem visão política diferente das suas não ligam de verdade para o futuro do Brasil. Ou seja, um terço da população toma por pressuposto que quem pensa diferente está errado e de má-fé. A divergência de opiniões e o cruzamento de diferentes perspectivas não são valorizados. Há pouco interesse real em escutar o outro e, consequentemente, o debate empobrece. Na pressuposição da má-fé, as relações interpessoais se deterioram ainda mais.
O Brasil pontua cronicamente mal nos índices que medem confiança interpessoal e nas instituições e participação política formal e informal na vida pública. A pesquisa do Instituto Ipsos é mais uma a fortalecer esse triste quadro. Estão bem estabelecidas nas ciências sociais a correlação e, em alguns casos, a causalidade, entre o que se chama de capital social – o conjunto de relações de confiança e bens sociais compartilhados – e uma série de indicadores de desenvolvimento social e político e de eficácia de política públicas. O desafio para reverter esse quadro, portanto, não pode ser enfrentado apenas pelo sistema político: ele passa, necessariamente, por toda a sociedade.