O próximo presidente da República iniciará seu mandato com uma série de problemas a resolver, especialmente na economia, mas terá pelo menos um pequeno presente em sua mesa. O jornal O Estado de S.Paulo apurou que há cerca de 50 projetos de concessões e privatizações praticamente prontos para o leilão, mas que o atual governo deve deixar para seu sucessor. São estradas, ferrovias e aeroportos, além dos estudos para a venda de algumas estatais, especialmente no setor de eletricidade, e leilões para a exploração de petróleo.
A melhoria na infraestrutura é uma urgência nacional. Na quarta-feira, a Confederação Nacional do Transporte publicou a edição 2018 de sua Pesquisa CNT de Rodovias, que avalia a malha rodoviária nacional. Apesar de uma pequena melhora em relação aos dados do ano passado, 57% dos trechos avaliados – a pesquisa cobre todas as rodovias federais pavimentadas e as principais rodovias estaduais também pavimentadas – têm classificação “regular”, “ruim” ou “péssimo”. Mas a situação se inverte quando se considera apenas os trechos que foram concedidos à iniciativa privada: nesses casos, a proporção de trechos “ótimos” ou “bons” subiu de 74,4% no ano passado para 81,9% em 2018. Um sinal inequívoco de que os governos, federal ou estaduais, têm sido incapazes de manter uma infraestrutura rodoviária de qualidade.
É preciso ampliar a participação das ferrovias, hidrovias e aeroportos
Não há dúvida de que as estradas brasileiras precisam urgentemente de melhorias, e que as concessões estão entre as soluções que precisam ser implementadas. Mas isso não significa deixar de olhar para os demais modais. A greve dos caminhoneiros mostrou a enorme dependência que o país tem da malha rodoviária, a ponto de o abastecimento de itens básicos ser gravemente prejudicado quando as estradas não estão disponíveis para o transporte desses produtos. É preciso ampliar a participação das ferrovias, hidrovias e aeroportos, que também são peças-chave para a integração nacional – estudo da Confederação Nacional da Indústria, divulgado no meio do ano, mostrou que 30% da malha ferroviária nacional está abandonada. São trilhos ociosos que ligariam São Paulo a Nova York em linha reta – a maioria deles, ainda por cima, já nem apresenta condições para a circulação de trens. Segundo a reportagem, o governo teria quase prontos os preparativos para a concessão de mais 12 aeroportos nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, além de um trecho da Ferrovia Norte-Sul entre os estados de São Paulo e Tocantins – no caso dos terminais aéreos, o governo Temer ainda tentaria leiloá-los até o fim deste ano.
No setor de energia, especialmente energia elétrica, o cenário é bem mais complicado devido à insegurança jurídica introduzida pelo Supremo Tribunal Federal. No fim de junho deste ano, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu duas liminares contra a privatização de subsidiárias da Eletrobrás. Em uma delas, Lewandowski determinou que qualquer privatização precisa de aval do Congresso Nacional, inventando uma regra que não existe na Constituição. De acordo com a legislação brasileira, a aprovação do Legislativo só é necessária nos casos previstos explicitamente na Carta Magna, em seu artigo 177, ou na lei do Programa Nacional de Desestatização (9.491/97) – é o caso da Eletrobras, mas não de suas subsidiárias.
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A canetada de Lewandowski, que o plenário do Supremo ainda não analisou, tem dois efeitos negativos: ela engessa o processo de venda de empresas em situação pré-falimentar, com o prejuízo caindo no colo do contribuinte – ainda que o governo tenha conseguido, depois, vender algumas das subsidiárias da Eletrobrás. Além disso, submete todo e qualquer processo de privatização aos interesses de parlamentares que costumam considerar as empresas estatais como “feudos” privados, exigindo nomeações para presidências e diretorias em troca de apoio político. O casamento de conveniência entre a bancada fisiológica que se acha dona das estatais e a esquerda, estatista por convicção, já deu resultados: o Senado derrubou, no dia 16, um projeto de lei que trata de privatizações no setor elétrico e já tinha sido aprovado na Câmara. Daí a importância de o plenário do Supremo derrubar o quanto antes a invenção de Lewandowski, para que o governo – o atual e o próximo – não se tornem reféns do Legislativo.
O trabalho feito até agora pela equipe do governo Temer deixa uma oportunidade a seus sucessores, que terão de decidir como aproveitá-la – e, aqui, surgem duas possibilidades. Há aqueles que encaram as concessões apenas como “mal necessário” diante da falta de recursos da União para fazer ela mesma os investimentos; na ausência dessa circunstância ideal, a iniciativa privada viria como paliativo – foi o caso do governo Dilma, que relutou até onde foi possível, por exemplo, na concessão de aeroportos, até ceder com a proximidade dos megaeventos esportivos de 2014 e 2016. Mas não é disso que o país precisa. O próximo presidente tem de ser alguém convicto da importância do setor privado, não como um substituto do poder público quando os cofres públicos vão mal, mas como autêntico protagonista na construção e melhoria da infraestrutura nacional – não apenas na hora da crise ou de uma retomada cambaleante como a atual, mas em todos os momentos, inclusive os de crescimento e prosperidade.