Depois de ter conseguido derrubar um tabu, o da reforma da Previdência, a ponto de ter levado centenas de milhares de pessoas às ruas em apoio às mudanças nas regras de aposentadoria, o governo de Jair Bolsonaro está disposto a atacar mais um “tema proibido” na política brasileira: as privatizações. Nas próximas semanas, ainda antes do fim da tramitação da reforma da Previdência, o Planalto deve anunciar um programa de desestatização ambicioso, que poderia render, segundo levantamento do jornal O Estado de S.Paulo, até R$ 450 bilhões, somando as concessões e a venda da participação da União nas estatais. Nenhum outro governo até hoje conseguiu levantar montante parecido.
A esquerda conseguiu, durante muitos anos, imprimir na população brasileira a ideia de que empresas estatais são “patrimônio do povo”, quando na verdade são patrimônio do Estado. A rapinagem promovida pelo lulopetismo nas maiores estatais brasileiras ajudou a despertar parte da população para esta realidade, já que gigantes como a Petrobras foram “privatizadas” para atender a interesses partidários – não apenas por meio da corrupção desenfreada, mas também pelo seu uso eleitoreiro, caso da manipulação das políticas de preços de combustíveis para conter o aumento da inflação e ajudar a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014.
Não faz o menor sentido que o Estado atue diretamente na atividade econômica quando estão em jogo tarefas que a iniciativa privada pode desempenhar sem problemas
Por isso, só mesmo a persistência de considerações equivocadas sobre uma suposta “soberania nacional” pode fazer a população se voltar contra um abrangente programa de privatizações e concessões. Se considerarmos que, no caso da reforma da Previdência, que atinge pessoalmente cada brasileiro, já houve um apoio substancial expresso nas ruas em 26 de maio, é de se imaginar que as privatizações poderiam ter aceitação até maior, já que seu efeito prático sobre a vida de cada cidadão é bem menor, em comparação com mudanças que o obrigarão a trabalhar mais para conseguir sua aposentadoria.
A verdadeira resistência está em Brasília, e começa até mesmo dentro do governo Bolsonaro, onde uma ala nacionalista e desenvolvimentista insiste em ver protagonismo estatal na economia. É o caso do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, que já manifestou sua oposição à privatização das seis estatais que sua pasta administra: Correios, Telebras, Ceitec (produtora de chips), INB (fornecedora de combustível nuclear), Nuclebrás (produtora de equipamentos para usinas nucleares) e Finep (de fomento à ciência e tecnologia). Destas, Ceitec, INB e Nuclebras não conseguem se manter sozinhas, dependendo de aportes do Tesouro. Outro ministério onde a privatização não é vista com bons olhos é o da Infraestrutura, com o ministro Tarcísio Gomes de Freitas defendendo a manutenção da EPL e da Valec.
Leia também: O tabu das privatizações (editorial de 22 de fevereiro de 2017)
Leia também: Privatizar: por que não? (artigo de Vitor Wilher, publicado em 12 de abril de 2018)
Se conseguir vencer este primeiro obstáculo, Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes e o secretário Salim Mattar, de Desestatização, terão novas batalhas árduas a enfrentar. Tudo porque o Supremo Tribunal Federal, em uma decisão profundamente equivocada, agiu como legislador, criando uma norma inexistente na Constituição e exigindo que toda privatização de empresas estatais – não apenas aquelas explicitamente mencionadas na Carta Magna ou na lei do Programa Nacional de Desestatização – tenha de passar pelo Congresso Nacional. E muitos partidos e parlamentares, sabe-se há décadas, enxergam estatais como feudos particulares. É nessas empresas que os apadrinhados políticos são pendurados em presidências, gerências e diretorias em troca de apoio ao governo. Seria ilusório acreditar que deputados e senadores aceitarão abrir mão deste pequeno poder sem reclamar. Eles já resistiriam e chantageariam ainda que determinada privatização não precisasse de aprovação no Congresso; mas agora, que o governo necessita do voto desses políticos para seguir adiante com a venda, esses políticos ganharam novas armas.
Privatizações e concessões não são mera questão de necessidade da parte de um governo com os cofres em situação precária. São uma questão de princípio: não faz o menor sentido que o Estado atue diretamente na atividade econômica quando estão em jogo tarefas que a iniciativa privada pode desempenhar sem problemas – aliás, a própria Constituição reconhece este fato em seu artigo 173. Com algumas raras exceções, a manutenção de empresas estatais viola o princípio da subsidiariedade e atrofia o setor privado, o verdadeiro motor do desenvolvimento econômico de uma nação. Que as ideologias ultrapassadas e os interesses mesquinhos não frustrem esta nova frente que o governo quer abrir em direção a uma maior liberdade econômica no país.
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