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editorial 1

O desafio dos juros no Brasil

Certas afirmações sobre o mundo da economia, feitas por algum economista, são incorporadas por certos políticos, alguns deles sem conhecimento no assunto, e, quando menos se espera, passam a ser tomadas como verdade incontestável. Daí em diante, não há discurso de líder empresarial, dirigente sindical ou artigo de jornal que diga algo contrário. Uma dessas afirmações é que o Brasil tem taxas de juros gigantescas e elas estão atrasando o país.

Inicialmente, é preciso fazer a seguinte pergunta: de que taxa de juros se está falando? Ninguém duvida de que as taxas de juros para os consumidores nas compras a crédito e para o capital de giro das empresas são elevadas e, por isso, elas atrasam o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Em geral, as broncas com os juros altos aumentam quando o Banco Central (BC) eleva a Selic, que é a taxa básica aplicada aos títulos da dívida do governo. Na primeira reunião do BC sob a gestão Dilma Rousseff, a Selic foi elevada em meio ponto porcentual, sendo fixada em 11,25% ao ano.

Novamente, as mesmas críticas se repetiram e alguns críticos invocaram o que está ocorrendo no mundo, sobretudo nos Estados Unidos. Nesse país, a taxa de juros recebida pelos poupadores não chega a cobrir a inflação, o que, no longo prazo, leva à diminuição do valor real do dinheiro poupado. Isso significa que, mesmo acrescido dos juros, o valor poupado comprará menos bens e serviços no futuro do que a quantidade que compra no presente. Foi o que aconteceu no Japão, que manteve a taxa de juros praticamente em zero por cento durante muito tempo.

Algumas questões precisam ser levantadas para desfazer a confusão que se criou em torno desse assunto. Um país só consegue crescer quando sua população consome menos do que a renda nacional, de forma a permitir que parte do PIB seja composta de bens e serviços não de consumo, mas de investimento. Dizendo de outra maneira, se um povo consumisse 100% da renda nacional, a produção total teria de ser composta apenas de bens e serviços de consumo (a renda nacional é apenas a outra face da moeda do produto nacional). Somente é possível que parte do produto total do país seja composta de bens de capital (máquinas, equipamentos, estradas, pontes, etc., tudo aquilo que é chamado de "investimento") quando a população deixa de consumir parte da sua renda, portanto, quando poupa.

Em economia, poupança é a renda não gasta em consumo. O tamanho do investimento nacional é exatamente igual à poupança nacional mais os investimentos feitos por investidores estrangeiros no Brasil com poupança trazida do exterior. Assim, menos poupança é igual a menos investimento. Por sua vez, menos investimento é igual a menos crescimento do PIB. Portanto, uma das peças-chave para o crescimento econômico é o estímulo à poupança interna, pois as pessoas somente se sentem estimuladas a poupar (que é a renúncia ao consumo presente) caso recebam remuneração que lhes permita consumir mais lá na frente. Os economistas costumam dizer que existe um trade-off (troca) entre o presente e o futuro e que as pessoas, quando têm renda ganha, somente aceitam o sacrifício de não consumir hoje, para consumir amanhã, caso possam comprar mais bens e serviços amanhã, em face dos juros recebidos sobre a poupança.

Alguém que poupar parte de sua renda e comprar um título do governo receberá 11,25% ao ano, deixará entre 15% e 20% do rendimento para o Imposto de Renda, perderá uns 6% do poder de compra do seu capital em razão da inflação, de modo que sua renda líquida real ficará em torno de 3% ao ano. A renda real de 3% está longe de ser absurda e, se os juros reais caíssem a zero, o Brasil, que já poupa pouco, passaria a poupar menos ainda, atrasando ainda mais o desenvolvimento nacional. No Brasil, a poupança doméstica não chega a 20% da renda nacional, enquanto na China anda na casa dos 40%.

Nos Estados Unidos os juros estão próximos de zero. Porém a economia estadunidense deixou de ser bom exemplo, como também o exemplo do Japão não é algo a ser copiado. Todos os países que jogaram a taxa de juros próxima de zero o fizeram sob o efeito de crises e não em situação de normalidade econômica.

A bronca está na direção errada. Quando a Selic é aumentada, aumentam os gastos do governo com pagamento de juros, isso é verdadeiro e não é bom. Mas aqui o problema é outro. O problema é o fato de o governo ser deficitário crônico, ter uma dívida pública muito alta e ser o principal responsável pela inflação, que, em última análise, é a razão que leva o BC a elevar a taxa de juros. O Brasil (que já tem um nível de poupança muito baixo e, por isso, tem baixo nível de investimentos) poderia ter investimentos mais baixos ainda, caso a taxa de juros real para os poupadores caísse próxima de zero e desestimulasse qualquer pessoa a guardar dinheiro.

O problema não é a Selic, mas a diferença entre o que o poupador recebe e o que os consumidores e as empresas pagam nos seus financiamentos. É o tal spread. O desafio é reduzir os spreads, a fim de reduzir a taxa de juros para os consumidores e para as empresas. Essa é a mudança que o país precisa, e não jogar a Selic perto de zero.

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