O Brasil e mais cinco países membros da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) – Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai – comunicaram à Bolívia, que ocupa a presidência da entidade desde 18 de abril, que deixarão de participar das atividades e decisões da entidade por tempo indeterminado, “enquanto não contarmos, no decorrer das próximas semanas, com resultados concretos que garantam o funcionamento adequado da organização”, de acordo com a nota conjunta. O estopim da saída coletiva de praticamente metade do bloco é o impasse a respeito da escolha do novo secretário-geral, mas a ocasião é propícia para a entidade repensar, dez anos após sua criação, qual é o seu papel.
Em 2008, boa parte da América do Sul estava sob o domínio da esquerda, e o ditador venezuelano Hugo Chávez viu a oportunidade de criar um bloco que se contrapusesse à Organização dos Estados Americanos (OEA), órgão multilateral com décadas de existência, mas que o bolivarianismo via como a encarnação do interesse norte-americano no continente. O tratado que estabeleceu a Unasul foi assinado naquele ano e entrou em vigor em 2011, quando o Uruguai de Pepe Mujica se tornou o nono país a assinar o documento.
As panelinhas ideológicas bolivarianas não trouxeram nada de bom para o continente
Por mais que, externamente, a Unasul trouxesse consigo uma série de iniciativas destinadas a aprofundar a união sul-americana, como um Banco do Sul e cooperação em temas como combate ao tráfico de drogas, logo ficou evidente que o grupo não passava de mais um clube ideológico dominado pelo bolivarianismo, replicando em maior escala o que havia ocorrido com o Mercosul. Ambas as entidades, por exemplo, têm uma cláusula democrática que pune nações onde houver rupturas que ameacem a ordem democrática. Mas, apesar de todas as evidências de que a Venezuela era a verdadeira ditadura sul-americana, passaram-se anos sem que a cláusula fosse invocada contra Chávez ou Nicolás Maduro. Em vez disso, o Mercosul a usou em 2012 para suspender o Paraguai, quando do impeachment de Fernando Lugo, movimento que permitiu justamente o ingresso da Venezuela no bloco; e, em 2016, o então secretário-geral da Unasul, o ex-presidente colombiano Ernesto Samper, defendeu a presidente Dilma Rousseff e insinuou que sua cassação ensejaria sanções contra o Brasil: “Se o processo continuar, poderíamos chegar a uma ruptura na qual os países teriam de analisar a aplicação ou não da cláusula democrática”, disse em maio de 2016.
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A Unasul tem estado paralisada há quase um ano e meio porque o secretário-geral indicado pela Argentina e que tem apoio brasileiro foi recusado pela Venezuela, que por sua vez não apontou nenhum candidato alternativo. Apesar da mudança ideológica ocorrida em vários governos sul-americanos, a necessidade de consenso nas decisões da Unasul tem impedido a entidade de se tornar protagonista na denúncia das verdadeiras ameaças à democracia no continente. Tanto é assim que a grande oposição internacional ao processo eleitoral farsesco que está sendo montado na Venezuela, com antecipação do pleito e inúmeras restrições à participação da oposição, não vem da Unasul, e sim do Grupo de Lima e da OEA.
Uma integração sul-americana efetiva e saudável, com liberdade de comércio, empreendedorismo e movimento dentro da região, e força para negociar bons acordos com outros blocos, como o Nafta e a União Europeia, ganharia com entidades que tenham objetivos bem claros, compromisso com a democracia e com a liberdade. As panelinhas ideológicas bolivarianas não trouxeram nada de bom para o continente. Esta é a decisão que a Unasul tem de tomar se quiser ser relevante no futuro.
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