Desde o Plano Real, a política econômica brasileira está baseada no tripé formado por metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Essa política tem como base teórica a tese de que a inflação é um mal a ser combatido sem tréguas e que a melhor forma de fazê-lo é pelos instrumentos oferecidos pela política fiscal (superávit primário), pela política monetária (metas de inflação) e pela política cambial (câmbio flutuante).
Pela política fiscal, as contas públicas devem ser mantidas em equilíbrio, com a obtenção de superávit primário suficiente para pagar os juros da dívida pública até o nível em que a dívida não passe de 50% do Produto Interno Bruto (PIB). Se a dívida sobe demais, o governo tem de aumentar a emissão de títulos (meio de tomar mais dinheiro emprestado da sociedade), e isso provoca a elevação da taxa de juros e reduz o crescimento do PIB.
Pela política cambial, é mantido o livre mercado da moeda estrangeira e a livre flutuação da taxa de câmbio. Essa proposta decorre da crença de que, se o governo mantiver o dólar artificialmente baixo como meio de evitar a elevação de preços dos insumos importados, mais cedo ou mais tarde os controles cambiais deixam de funcionar e a inflação reaparece de forma mais grave. Portanto, tabelamento da taxa de câmbio não serve para promover a estabilidade de preços no prazo longo e de forma consistente.
Quanto à política monetária, cabe ao Banco Central (BC) estabelecer a meta de inflação e buscar alcançá-la pela administração da taxa de juros e da emissão de moeda. A meta estabelecida no Brasil prevê inflação de 4,5% ao ano, com margem de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. Assim, 6,5% é o máximo de inflação que o BC admite, embora a estratégia seja (ou deveria ser) segurar a inflação nos 4,5%, o centro da meta.
Os preços dos alimentos subiram muito e estão pressionando fortemente a inflação para cima. Medidos pelo IPCA-15, os preços dos alimentos já estão passando o teto da meta, pois já bateram os 6,5% nos últimos 12 meses. Há produtos com elevado peso no orçamento das famílias cujos preços tiveram forte elevação de março de 2013 a março de 2014, casos do leite em pó (aumento de 19%) e da farinha de trigo (aumento de 18%).
Essa situação coloca o BC diante de um dilema. Pela cartilha do órgão, a taxa de juros teria de ser elevada como meio de desaquecer a economia (menor crescimento do PIB) e puxar a inflação para baixo. Mas essa saída enfrenta um sério problema: o PIB teve baixo crescimento nos últimos três anos e o governo quer inverter essa tendência, sobretudo para evitar que, mais adiante, o resultado seja aumento do desemprego. A decisão de promover aumento do PIB exigiria redução e não elevação da taxa de juros. Em ano eleitoral, o governo é sempre propenso a aumentar a taxa de crescimento do PIB e não é dado a medidas de "austeridade".
Eventual redução da taxa de juros, para elevar o PIB, é medida que esbarra em outro problema sério: ela não ajuda a combater a inflação; pelo contrário, coloca mais fogo na subida dos preços. O dilema está dado: se aumenta a taxa de juros, o BC combate a inflação, mas reduz o crescimento; se diminui a taxa de juros, o órgão estimula o crescimento, mas não combate a inflação.
A julgar pela lógica dos bancos centrais e sabendo que segurar a inflação dentro da meta é responsabilidade do BC, a tendência é que o órgão priorize o combate à inflação, o que significa manter a taxa de juros elevada. A definição da política de juros é fundamental para as pessoas e as empresas saberem o que fazer em suas decisões de investimento e de financiamento. Como não é possível ter as duas coisas em prazo curto inflação baixa e crescimento alto , seria útil o BC deixar claro qual será sua prioridade sem revelar, é claro, quando e em que medida vai agir.
O ano de 2014 é atípico, particularmente em razão das eleições para a Presidência da República, e é difícil saber se o BC agirá com autonomia e adotará a política que julgar mais adequada, ou se irá submeter-se à interferência do Poder Executivo, cuja chefe é candidata a mais um mandato de quatro anos. Por precaução, boa parcela dos empresários e dos agentes do mercado financeiro está apostando que o BC não irá relaxar em sua decisão de combater a inflação. Vale dizer, a política de juros altos será mantida.
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