Os dois últimos quadriênios foram emblemáticos para o combate à corrupção no Brasil. Em 2014, foi deflagrada a Lava Jato, a mais importante operação do gênero no país, que expôs aos brasileiros as entranhas de um elaborado esquema protagonizado pelo petismo para, em conluio com partidos da base aliada e empreiteiras, fraudar a democracia e perpetuar um projeto de poder. Quatro anos depois, aquele que era apontado como o líder deste esquema, o ex-presidente Lula, ia para a prisão, após ser condenado em duas instâncias no caso do tríplex do Guarujá. Naquele mesmo 2018, a pauta anticorrupção, inserida dentro de um discurso mais amplo de dureza com a bandidagem, integrava o tripé que levou Jair Bolsonaro à vitória na eleição presidencial. Passados outros quatro anos, no entanto, tudo parece ter desmoronado, em meio a uma série de processos anulados, ex-condenados posando de vítimas, e perseguição contra aqueles que investigaram e puniram os corruptos. Esse movimento tem volta? As eleições que se aproximam podem ajudar a mudar este quadro?
De uma lista de dez grandes derrotas impostas ao combate à corrupção desde o segundo semestre de 2018, compilada pela Gazeta do Povo, seis foram obra do Judiciário – mais especificamente, do Supremo Tribunal Federal. A corte suprema reverteu novamente seu entendimento sobre prisão após condenação em segunda instância; e inventou regras processuais que não constavam dos códigos, aplicando-as a julgamentos passados em que os magistrados seguiram as regras à risca. Além disso, criou o caos a respeito de competências tanto no atacado (por exemplo, ao remeter vários processos à Justiça Eleitoral, subordinando um “crime maior”, como corrupção e lavagem de dinheiro, ao “crime menor”, a irregularidade eleitoral de caixa dois) quanto no varejo – especialmente no fatídico março de 2021 que começou com a inexplicável e absurda anulação, pela caneta de Edson Fachin, de todos os processos contra Lula em Curitiba e terminou com a igualmente inexplicável e absurda mudança de voto de Cármen Lúcia que terminou sacramentando uma declaração de suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
O combate à corrupção não é a única pauta relevante, mas é daqueles temas que, ao lado de outros assuntos importantes, dizem muito sobre o tipo de Brasil que desejamos ser
O Judiciário não é escolhido diretamente pela população, mas os ministros do Supremo são indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado. O vencedor da próxima eleição escolherá ao menos dois ministros, pois Rosa Weber e Ricardo Lewandowski completam 75 anos já em 2023 e se aposentarão compulsoriamente. É imprescindível que a corte tenha ministros comprometidos com o bom combate à ladroagem, feito com todo o rigor que a lei permite; que não compactue com decisões tiradas da cartola para beneficiar investigados, réus e condenados, nem com “garantismos” que, entre duas interpretações igualmente possíveis da lei, sempre escolhe aquela mais benéfica ao réu, em vez daquela mais benéfica à sociedade.
O eleitor tem o direito de saber que perfil de ministro os candidatos ao Planalto pretendem indicar ao Supremo (pistas para isso já existem, pois sabemos como os ministros votaram em casos de corrupção, e que presidente indicou cada um deles ao STF), e deve cobrar de seus candidatos ao Senado uma postura mais ativa durante o processo de aprovação dos indicados. O mesmo vale para o cargo de procurador-geral da República, e é notório que o atual ocupante do cargo, Augusto Aras, comprou a falsa narrativa dos “excessos” da Lava Jato e aboliu o modelo de forças-tarefa. Em 2023, ele termina seu segundo mandato bienal e pode ser reconduzido ou substituído.
Quando se trata de representantes eleitos que tenham ajudado a desmontar o combate à corrupção, ou que estejam freando qualquer tentativa de retomada daquele bom ímpeto de anos atrás, o eleitor tem a chance de dar um recado ainda mais claro nas urnas. Nos últimos anos, o Congresso Nacional desfigurou substancialmente o pacote anticrime do então ministro Moro, aprovou uma absurda Lei de Abuso de Autoridade, afrouxou a Lei de Improbidade Administrativa e vem barrando qualquer tentativa de colocar na Constituição e no Código de Processo Penal a possibilidade de prisão em segunda instância. Não basta que o brasileiro não entregue seu voto a candidatos envolvidos em esquemas de corrupção; é preciso que o eleitor saiba como aqueles que já estão no Congresso atuaram no caso dos projetos de lei aprovados ou enterrados: presidentes de comissão podem fazer andar ou empacar um projeto ou PEC; relatores podem melhorar ou destruir projetos; e todos os congressistas tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre tais matérias quando elas chegaram ao plenário.
O combate à corrupção não é a única pauta relevante, por certo, especialmente em uma nação que luta para voltar a crescer e gerar emprego de forma consistente. Mas é daqueles temas que, ao lado de outros assuntos importantes, dizem muito sobre o tipo de Brasil que desejamos ser. Ou seremos um país onde quem rouba é devidamente investigado, julgado e punido, ficando afastado da vida pública por um tempo razoável, onde a Justiça é célere e eficiente, e onde a lei é rígida, sem desrespeitar os direitos do réu; ou seremos um país onde a lei e o sistema de persecução penal são feitos para ajudar os corruptos, onde a degradação moral exalta o “rouba, mas faz”, onde o crime compensa.