A crise hídrica parece estar perto do fim e os brasileiros já devem sentir os efeitos de uma conta de energia mais barata a partir de maio. Isso significa o fim da cobrança de R$ 14,20 adicionais a cada 100 kWh consumidos, que impôs restrições ao orçamento de milhões de famílias em 2021 e deve vigorar apenas até abril deste ano. A natureza tem colaborado para a melhoria, com um volume de chuvas bem maior que a média nos últimos meses. Isso deve ter impacto sobre a renda dos brasileiros, com consequências positivas também para a indústria e comércio. Porém, em vez de se contentar com o alívio temporário, o país deveria aproveitar o momento para estruturar uma resposta de longo prazo para o problema da falta de chuvas.
No fim de 2021, o auge da crise, os lagos das usinas do substistema Sudeste/Centro-Oeste chegaram a 25% de sua capacidade. Este sistema, sozinho, responde pela geração de 70% da energia hidrelétrica no país. Neste ano, o índice já subiu para pouco menos de 40%. Para enfrentar esse período sem racionamentos e apagões, o governo federal despendeu bastante dinheiro, acumulando um saldo que ainda deve ser pago nos próximos anos. O acionamento de termelétricas e a importação de energia de países vizinhos custou R$ 16,8 bilhões, quase 30% a mais que o previsto inicialmente. Nos próximos 30 anos, os custos totais devem chegar a 140 bilhões, incluindo nisso os jabutis inseridos na MP da privatização da Eletrobrás.
Em vez de se contentar com o alívio temporário, o país deveria aproveitar o momento para estruturar uma resposta de longo prazo para o problema da falta de chuvas
Infelizmente, o padrão climático não é animador. Desde 2012 o país tem observado queda no nível dos reservatórios. Naquele ano, o patamar alcançado pelos lagos das usinas do sistema Sudeste/Centro Oeste foi de 72%, nível que não mais se repetiu depois disso. Nos últimos dez anos, três presidentes se viram às voltas com problemas de abastecimento e crises no sistema elétrico, sem que alguém apresentasse uma resposta consistente para os períodos de estiagem que não fosse simplesmente o acionamento das termelétricas.
No que concerne às usinas hidrelétricas em operação, o país precisa encontrar soluções para melhorar seu atual nível de performance. Especialistas do setor calculam que em 2012 as usinas gastavam 4% mais de água que o necessário para produzir um mesmo megawatt-hora; este porcentual atualmente está em 2%, ainda considerado ruim. Isso pode ser explicado pela presença de turbinas antigas, roubo de água para irrigação e piscicultura, reassoreamento de reservatórios e restrições não capturadas no modelo de planejamento. Existem usinas onde não se pode armazenar mais água por causa da necessidade de manutenção de um fluxo mínimo para atender outros usos. O sistema poderia mudar com a ampliação de fontes de energia intermitentes, como a solar e a eólica, com as hidrelétricas funcionando como bateria para compensar a intermitência da geração de energia.
Em termos só de potencial eólico, estimativas dão conta de que o país poderia gerar até 500 GW em terra e mais 700 GW no mar – a título de comparação, atualmente o sistema hidrelétrico brasileiro tem potencial de geração na ordem de 260 GW. Já o potencial de geração de energia solar do país é apontado por especialistas como um dos maiores do mundo. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o território nacional recebe mais de 2,2 mil horas anuais de insolação, o que equivale a 15 trilhões de megawatts.
Espera-se que o marco legal aprovado no ano passado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro estimule investimentos em áreas como energia solar, eólica e biomassa. Porém, seria desejável que o governo brasileiro apresentasse um plano de médio e longo prazo para retirar o país desse permanente cenário de tensão e expectativa em relação às precipitações. Existem evidências concretas de que o clima no mundo inteiro está mudando e não há qualquer indício que seja para melhor em termos do volume de chuvas, das quais dependem nossos reservatórios. A energia tem se tornado um problema de geopolítica em todo o mundo e o Brasil não pode mais ignorar a importância desse ativo estratégico. A busca pela soberania não pode prescindir da conquista de autonomia em um recurso tão essencial. O país tem condições climáticas, ambientais e territoriais para partir na frente na corrida por uma energia mais limpa e renovável.
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