Os governos nunca se dispuseram a mexer nas regras da poupança, mesmo em épocas de turbulência financeira, em função de sua tradição e da adesão popular a ela

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A caderneta era literalmente uma instituição nacional. Passou pela proclamação da República, sobreviveu a duas guerras mundiais, atravessou a ditadura de Getúlio Vargas, passou pelo regime militar e foi mantida depois da redemocratização do país. Sempre estável, sempre a mesma, gozando de estabilidade de regras e da confiança de toda a nação, a caderneta tem sua história confundida com a história da Caixa Econômica Federal, embora tenha sido adotada por todo o sistema bancário nacional.

O Decreto n.º 2.723, de 12 de janeiro de 1861, que criou a Caixa Econômica da Corte, trazia em seu artigo 1.º a determinação de que a Caixa Econômica "tem por fim receber, a juro de 6% ao ano, as pequenas economias das classes menos abastadas e de assegurar, sob garantia do Governo Imperial, a fiel restituição do que pertencer a cada contribuinte, quando este o reclamar". Em 1964, por causa do estouro da inflação, o governo determinou que, além dos juros de 0,5% ao mês, os depósitos em cadernetas de poupança teriam correção monetária de forma a garantir que os juros fossem rendimento real. Esse sistema foi mantido até 1994 e, como fim da inflação resultante do Plano Real, a poupança passou a ser remunerada pela mesma taxa mensal de 0,5%, o que dá 6,17% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR).

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Os governos nunca se dispuseram a mexer nas regras da poupança, mesmo em épocas de turbulência financeira, em função de sua tradição e da adesão popular a ela como meio de formação de reservas, sobretudo para as camadas mais pobres da população. Agora, com a taxa Selic em 9% ao ano, o governo Dilma resolveu alterar as regras. É uma medida ousada e perigosa. O argumento do governo é de que, em razão de a caderneta de poupança não pagar Imposto de Renda (IR), à medida que a Selic chegue a 8,5% ao ano ou menos, a caderneta pode acabar pagando rendimento líquido maior que a Selic, e isso atrairia bilhões de reais para a poupança, dificultando o financiamento da dívida pública.

Tomando dados atuais, a caderneta deveria render, neste ano, perto de 6,4% como rendimento real, pois ela é isenta de IR. Os emprestadores de dinheiro para o governo (aplicadores em fundos de renda fixa e compradores de títulos do Tesouro Direto) pagam, no mínimo, 15% de Imposto de Renda e, no caso dos fundos, mais a taxa de administração cobrada pelos bancos. Com a Selic a 9%, podendo cair mais, a poupança começa a ter rendimento maior e impede novas reduções da Selic, além de dificultar a meta do governo de ter juros reais de 2% ao ano (Selic de 7% para uma inflação de 5%).

Por isso, o que o governo fez foi pôr fim à taxa fixa de 6,17% ao ano para a poupança, por meio de medida que define a remuneração da caderneta a 70% da taxa Selic sempre que esta chegar a 8,5% ou menos. Na prática colocou um "redutor", uma espécie de tributação sobre a poupança. Embora de forma indireta, o governo arrumou um jeito de tributar a poupança, já que os que ganham a Selic pagam impostos. Assim, acabou a era da caderneta de poupança sem tributos e a juros fixos de 0,5% ao mês, ou 6,17% ao ano. O governo arrumou um jeito de fazer com a poupança o mesmo que faz com os aplicadores em renda fixa: diminuir os ganhos líquidos em face da tributação.

As duas principais razões dos juros altos no Brasil são a inflação e a carga tributária. Por isso, a comparação com as taxas de juros internacionais é uma falácia, pois são coisas diferentes. Se o governo cobrasse tributos somente sobre os rendimentos reais, ou seja, sobre os ganhos acima da inflação, a necessidade de mexer na poupança poderia nem existir, ou pelo menos poderia surgir apenas quando a inflação caísse a 3% ao ano ou menos. Os que querem a taxa básica de juros no Brasil no mesmo nível da taxa básica de países adiantados deveriam entender que, no mínimo, a inflação por aqui teria de ser a mesma que a inflação lá fora. Não é bom para o país ter uma coisa sem ter a outra.