O Fundo Monetário Internacional (FMI) produziu um relatório com críticas à política fiscal brasileira. O órgão afirmou que os gastos públicos consolidados do governo (municípios, estados e União) cresceram de maneira imprudente, acima do crescimento da receita tributária e, por consequência, o superávit primário caiu muito. Com isso, o déficit nominal final (receitas menos despesas e menos o pagamento de juros da dívida) cresceu de forma perigosa, colocando em risco o controle da inflação e o crescimento da economia.
A análise do FMI diz o óbvio: se o déficit nominal crescer, a dívida pública será aumentada, a taxa de juros terá de subir, a inflação poderá se elevar, e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ficará comprometido. A economia costuma cobrar caro, no futuro, as farras feitas no presente. No momento da elevação do gasto, o governo pode até angariar elogios por parecer, aos olhos da população, como um gestor "desenvolvimentista" e tocador de obras. E, se os gastos forem financiados por aumentos nas receitas tributárias, a situação permanece relativamente tranquila, pois os pagadores da conta são os contribuintes, e as contas fiscais, nesse caso, não pioram. A encrenca começa quando os gastos são pagos com novos empréstimos tomados pelo governo, portanto, mais déficit.
O que ocorreu nos últimos anos da gestão de Lula foi exatamente isto: os gastos foram elevados exageradamente, o déficit público nominal cresceu e o governo teve de tomar mais dinheiro emprestado. É uma situação que não pode perdurar por muito tempo, sob pena de a dívida pública aumentar demais e tornar-se perigosa para o futuro do país no longo prazo. Mesmo no médio prazo (três a cinco anos), os problemas começam a aparecer e a fazer estragos na economia. Primeiro, com o aumento da fatia do crédito nacional tomada pelo governo em forma de empréstimos, menos recursos no sistema bancário sobram para financiar a produção e o consumo. Segundo, o excesso de demanda derivado da elevação dos gastos governamentais estimula a subida da inflação. Por fim, a taxa de juros acaba sendo elevada, freando, assim, o crescimento do PIB.
Na prática, elevações do déficit acima do nível razoável podem parecer boas no curto prazo, porém cobram um preço alto no longo prazo e não existe alternativa heterodoxa, em termos de política econômica, capaz de driblar as imposições das leis da economia. Portanto, o Fundo Monetário, ainda que tenha perdido prestígio em tempos passados, está certo em chamar a atenção para a piora das contas públicas brasileiras.
Infelizmente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, adotou postura condenável em relação às análises do FMI. Além de ironizar os técnicos do órgão, acusando-os de terem ficado ingênuos por causa das férias, o ministro nada disse sobre os números e as razões listadas para embasar as conclusões do relatório. Raramente se vê Guido Mantega explicando, de forma didática e inteligente, os intrincados problemas econômicos, os quais a população tem dificuldade em entender por se tratar de assuntos áridos e complexos. As autoridades brasileiras, com exceções honrosas, também têm dificuldade em entender que o povo não é obrigado a dominar teorias e conceitos complexos e que os governantes têm a obrigação de explicar, informar e prestar contas.
Bater no Fundo Monetário porque o país conseguiu se livrar dos empréstimos e das fiscalizações feitas pelo órgão é algo que um governante não deve fazer, no mínimo por duas razões: uma, o Brasil é sócio do FMI e vem reivindicando que os países emergentes tenham mais votos nas suas decisões; outra é que o país não está livre de, um dia, ter de bater à porta da instituição em busca de empréstimos para equilibrar seu balanço de pagamentos. Lula vivia se vangloriando de ter liquidado a dívida brasileira com o FMI e, por isso, livrado o país das intromissões e auditorias daquela instituição. Na sua esperteza política, Lula fez muita gente acreditar que tudo isso foi obra da sua genialidade, quando, na prática, foi resultado do momento econômico mundial, que permitiu ao Brasil aumentar suas importações e fazer grandes reservas em dólar.
Seria prudente que o governo e a sociedade prestassem atenção no que diz o relatório do Fundo Monetário, pois seu conteúdo é igual ao que muitos economistas vêm divulgando pela imprensa. Pode haver uma ou outra divergência, mas o relatório não está recheado de bobagens, sobretudo porque o corpo técnico do FMI é altamente capacitado. Quem sabe o ministro Mantega, que é um homem de boas intenções, ainda aprenda que ele tem um papel melhor a desempenhar em relação às críticas e resolva explicar e não ironizar.