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Gasto publico
Gleisi Hoffmann defendeu o fundo eleitoral de R$ 5 bilhões, dos quais o PT será um dos principais beneficiários.| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Poucas horas antes de iniciar o período de recesso legislativo, o Congresso Nacional encontrou tempo suficiente para deixar um amargo presente aos brasileiros – como se não tivessem sido tantos ao longo do ano de 2023. Sem nenhum pejo, os parlamentares aprovaram um aumento astronômico do chamado Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), ou simplesmente “fundão eleitoral”, para as eleições municipais de 2024. Inicialmente, o valor previsto na proposta orçamentária do Executivo para o fundo era de R$ 939 milhões, mas acabou sendo aumentado, por iniciativa dos parlamentares, em 428%, chegando a R$ 4,96 bilhões. É bem mais que o montante destinado às eleições municipais de 2020 (R$ 2 bilhões) e equivalente ao fundo eleitoral usado nas eleições presidenciais de 2022.

Sob todos os aspectos, trata-se de um acinte aos contribuintes brasileiros, que pagam uma altíssima carga tributária e que, ao menos, gostariam de ver seus impostos revertidos em serviços públicos mais eficientes ou em programas sociais que, de fato, atendessem as parcelas mais carentes da população. Em vez disso, a população pagará, com seus impostos, as contas de campanha dos partidos – mesmo daqueles com os quais não têm qualquer afinidade ideológica –, incluindo publicitários, marqueteiros, gráficas, produtoras e todo o restante do arsenal usado na tentativa de criar um candidato bem embalado para atender o gosto dos eleitores.

De nada adianta a justificativa esdrúxula do relator do projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA), deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), de que a diferença de R$ 4 bilhões entre o valor originalmente proposto pelo governo e o novo montante seria retirado das reservas das emendas de bancadas estaduais. Trata-se de dinheiro público que teria outros usos bem mais benéficos à população que financiar campanhas. Idealmente, aliás, o fundo eleitoral – bem como o Fundo Partidário – nem deveria existir; campanhas eleitorais e partidos políticos deveriam ser financiados apenas por filiados e apoiadores que compartilham das mesmas plataformas das legendas e seus candidatos.

Ao contrário do que diz Gleisi Hoffmann, o fundo eleitoral de R$ 5 bilhões não está “bancando a democracia”, mas apenas saciando a fome de dinheiro dos partidos políticos

No caso brasileiro, o fundão eleitoral foi criado em 2017, após a proibição de doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, estabelecida por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A justificativa foi a de que, sem as contribuições de empresas, os partidos não teriam como financiar as campanhas de seus candidatos. Ora, mesmo após a decisão do STF, pessoas físicas ainda podem fazer doações a campanhas, e os partidos poderiam usar tais recursos para financiar suas plataformas sem abocanhar os recursos públicos. Mas fazer isso significaria adotar campanhas eleitorais mais simples e menos pirotécnicas, o que parece estar fora de questão – ao menos por enquanto, e apesar do sucesso de diversos candidatos que, desde 2018, se dispuseram a buscar o voto do eleitor sem recorrer a dinheiro público. No entanto, se os políticos brasileiros ainda não estão dispostos a abrir mão dos recursos tirados do pagador de impostos, ao menos poderiam demonstrar o mínimo de bom senso – para não dizer vergonha – na hora de estabelecer o valor da gastança.

Tirando as poucas – e louváveis – manifestações contra mais esse absurdo, a maioria dos parlamentares se sentiu bem à vontade para abrir as torneiras dos cofres públicos e irrigar as campanhas a prefeito e vereador. Parlamentares do Novo apresentaram um destaque para tentar reduzir o valor do fundo, mas não conseguiram apoio; o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso, também demonstrou razoabilidade ao questionar a falta de critérios para o aumento, lembrando que a medida vai contra o movimento do Congresso para fazer a reforma tributária e votar matérias na direção do equilíbrio fiscal. Pacheco também propôs que o fundo tivesse como base os valores de 2020, mas corrigidos pela inflação do período. Novamente, a proposta não foi ouvida pelos parlamentares brasileiros, que, se em outras questões importantes para o país optam pela inação ou pecam pela falta de articulação, neste caso mostraram uma coesão exemplar na defesa do fundo. Por isso, nem causa espanto a desfaçatez de alguns parlamentares, como a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, uma das mais efusivas na defesa do acinte.

Para a petista, o fundo eleitoral inchado de quase R$ 5 bilhões seria para o “bem da democracia”, e um “custo” que precisa ser pago. “A bem da democracia, nós precisamos ter financiamento para gente nova poder entrar. E o fundo eleitoral é a metade do orçamento da Justiça Eleitoral para 2024. Não pode ter uma relação de dizer que o fundo é muito grande”, disse a petista em entrevista à Globo News. Mais adiante, Gleisi disse ser “a favor do fundo de R$ 4,9 bilhões, isso é essencial, a democracia tem custo, tem preço, não pode ser privatizada”, acrescentando que as eleições municipais têm um número maior de candidatos – um dado que, embora verdadeiro, não serve como argumento, pois campanhas para prefeito e vereador são muito mais baratas que campanhas estaduais ou nacionais, entre outros motivos pelo simples fato de que os candidatos nem precisam sair dos limites de seu município.

Nada inesperado, precisamos reconhecer, vindo da presidente de um partido conhecido pelo pouco apreço e zelo com o equilíbrio fiscal e com o bom uso dos recursos públicos, por suas ideias carcomidas de estatização a todo custo, e que usa o jargão de “defesa da democracia” como justificativa para apoiar abusos e perseguições de toda a sorte. O problema é que a voz de Gleisi não é hoje uma mera exceção, mas a regra dentre os parlamentares brasileiros, que parecem pouco dispostos a dar fim aos fundos e fundões imorais. O fundo eleitoral não está “bancando a democracia”, mas apenas saciando a fome de dinheiro dos partidos políticos, inclusive aqueles em que a destinação dos recursos está concentrada nas mãos dos caciques.

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