Depois de uma redução inesperada, as perspectivas para a dívida pública como porcentagem do PIB sofreram uma reversão drástica e não são nada boas. A explosão de gastos públicos durante a fase inicial da pandemia de Covid-19 elevou o indicador para o recorde de 87,6%, mas no fim de 2021 a dívida já havia recuado para 80,4% e o mercado esperava que até 2030 ela se mantivesse ligeiramente abaixo de 80%. No entanto, a dívida caiu mais que o esperado, chegando a 73,5% no fim do ano passado, graças a um forte aumento na arrecadação e ao crescimento da economia – apesar disso, as projeções do mercado agora apontam para uma dívida que seguirá crescendo até chegar a 90,4% do PIB no fim da década. O que aconteceu em tão pouco tempo para uma mudança tão grande nas expectativas, e o que pode ser feito para impedir que o Brasil entre em uma perigosa espiral de endividamento?
Entre o fim de 2021 e o fim de 2022 o Brasil presenciou a morte de sua âncora fiscal. O teto de gastos, se fosse devidamente cumprido, tinha entre suas consequências positivas o fato de que entradas adicionais de dinheiro – seja com arrecadação maior, seja com eventos extraordinários como privatizações e concessões – pudessem ser destinadas ao abatimento da dívida pública. Mas o governo de Jair Bolsonaro e o governo eleito de Lula patrocinaram três PECs que demoliram o teto. As PECs dos Precatórios e dos Benefícios desmoralizaram o instrumento, colocando cada vez mais despesas fora do alcance da regra; a da Transição ficou conhecida como “fura-teto”, mas ela não representava apenas mais um rombo no teto: ela formalmente decretava o seu fim e sua substituição por um novo arcabouço fiscal que ainda está por ser conhecido. A vitória, na eleição presidencial, de um partido adepto da gastança em nada ajudou nas perspectivas para o endividamento.
Endividar-se nos mesmos níveis de um país desenvolvido, mas sem o mesmo grau de confiabilidade dessas nações, é um destino que o Brasil precisa evitar, mas para o qual parece estar se encaminhando
O tamanho do problema que se avizinha pode ser melhor compreendido comparando a dívida brasileira com a de outros países. O critério mais usado no Brasil exclui os títulos da dívida que estão em posse do Banco Central, enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) inclui esses títulos em sua conta. Na edição mais recente de seu Monitor Fiscal, de outubro de 2022, a dívida brasileira corresponde a 88,2% do PIB, enquanto a média da América Latina é de 68% e a das nações emergentes, de 65,1%. As nações ricas, é verdade, estão ainda mais endividadas: a média registrada pelo Monitor Fiscal é de 112,4% do PIB e a do G7 é ainda maior, de 128,3%. No entanto, esses países são capazes de rolar sua dívida a juros baixos, ao contrário do Brasil.
Este é um destino que o Brasil precisa evitar, mas para o qual parece estar se encaminhando: endividar-se nos mesmos níveis de um país desenvolvido, mas sem o mesmo grau de confiabilidade dessas nações. PIB estagnado – para este ano, as previsões mais recentes estão em 0,76% – e o gasto público em alta apontam para uma alta forte da dívida como porcentagem do PIB nos próximos anos. Não há outra forma de reverter essa trajetória a não ser pela construção de superávits primários sólidos (de 2,5% do PIB neste ano e 1,5% em média nos próximos anos), como aponta a Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado.
O governo Lula até compreendeu a necessidade de melhorar o resultado primário, mas os primeiros movimentos apontam para uma correção equivocada, feita pelo lado da receita, e não da despesa: o aumento na carga tributária correspondia a dois terços do efeito do pacote anunciado pelo ministro Fernando Haddad na primeira quinzena de janeiro. Mas a fome de qualquer governo tem um limite, a partir do qual começa a prejudicar a atividade econômica e, consequentemente, a sua arrecadação. Não há outro caminho possível a não ser um ajuste fiscal sólido, com um novo arcabouço fiscal eficiente – técnicos do Tesouro elaboraram um modelo que usa a própria dívida como critério para permitir elevação de gastos acima da inflação – e medidas de enxugamento e otimização do Estado; no entanto, como o petismo tem verdadeira ojeriza a boa parte das medidas necessárias, como reforma administrativa e privatizações, apenas uma feliz confluência de eventos benéficos será capaz de manter a dívida pública sob controle pelos próximos anos.