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Editorial

O golpe parlamentar de Nicolás Maduro

Membros da Guarda Nacional Bolivariana impedem Juan Guaidó de entrar na Assembleia Nacional em 5 de janeiro.
Membros da Guarda Nacional Bolivariana impedem Juan Guaidó de entrar na Assembleia Nacional em 5 de janeiro. (Foto: Federico Parra/AFP)

Desde que, em 2015, a população venezuelana deu à oposição a maioria no Legislativo do país, a Assembleia Nacional, o ditador Nicolás Maduro tem feito de tudo para reduzir o poder da única instituição do país que não estava aparelhada pelo bolivarianismo nem se curvava às vontades de Maduro. Primeiro, usou a Justiça Eleitoral para impugnar a eleição de alguns deputados, de forma que a oposição não tivesse uma supermaioria capaz de alterar a Constituição. No início de 2017, foi a vez de o Tribunal Supremo de Justiça levar a cabo um autogolpe, retirando os poderes da Assembleia Nacional, em iniciativa tão absurda que foi criticada até mesmo dentro do chavismo e acabou revertida. Também naquele ano, Maduro resolveu convocar uma Assembleia Nacional Constituinte – de forma ilegal, pois não tinha havido consulta popular a respeito do tema. Este órgão, dominado pelos socialistas e que tomou para si poderes legislativos, continua em funcionamento.

Mesmo assim, Maduro jamais desistiu de retomar o controle sobre a Assembleia Nacional, especialmente depois que, no início de 2019, o presidente do Legislativo, deputado Juan Guaidó, se proclamou presidente interino do país após Maduro vencer uma eleição fraudulenta e que não foi reconhecida por boa parte da comunidade internacional. Como é justamente o fato de comandar o Legislativo que concede legitimidade a Guaidó para assumir interinamente a presidência da Venezuela, bastaria aos bolivarianos removê-lo desta posição para que ele não pudesse mais fazer tal reivindicação. E foi isso que Maduro tentou fazer nos primeiros dias de 2020.

Guaidó é o presidente legítimo da Venezuela, com amplo respaldo internacional e o apoio de boa parte do povo, mas é Maduro quem ainda detém o poder de fato

Quando a Assembleia Nacional se reuniu para eleger uma nova mesa diretora, no último dia 5, a polícia de Maduro cercou o prédio e impediu a entrada de oposicionistas. Em uma sessão esvaziada e cheia de irregularidades, de acordo com relatos da imprensa internacional – a votação não foi nominal, e há dúvidas até mesmo sobre a existência do quórum mínimo exigido pela lei –, os chavistas e alguns outros deputados elegeram Luís Parra, aliado de conveniência do ditador apesar de ter sido eleito pelo Primeiro Justiça, do qual foi expulso. Com o acesso impedido ao prédio da Assembleia, os parlamentares de oposição realizaram outra sessão, de acordo com as regras, na sede do jornal El Nacional, e reelegeram Guaidó.

Como era esperado, a comunidade internacional também rejeitou esta nova manobra de Maduro e respaldou a sessão realizada pelos oposicionistas, reconhecendo Guaidó como legítimo presidente da Assembleia Nacional – e, por extensão, presidente interino da Venezuela. No entanto, desta vez houve uma ausência importante: o Grupo de Lima, que reúne 15 nações do continente americano, institucionalmente manteve sua posição em favor de Guaidó e condenou em nota o golpe parlamentar dos chavistas, mas a Argentina se absteve. Em janeiro de 2019, quando Guaidó se proclamou presidente interino, o governo de Mauricio Macri o apoiou, mas, com a volta da esquerda ao poder na Casa Rosada, a orientação da política externa será mais tolerante com Maduro. Os argentinos, assim, se juntam ao México, também governado pela esquerda e que já não tinha endossado a declaração de reconhecimento de Guaidó em 2019.

A tentativa de conquistar ilegalmente o comando da Assembleia Nacional é a nova batalha na guerra de Maduro para consolidar o poder total no país. Guaidó é o presidente legítimo da Venezuela, com amplo respaldo internacional e o apoio de boa parte do povo, mas é o bolivariano quem ainda detém o poder de fato, dominando as demais instituições, as Forças Armadas e as milícias paramilitares que amedrontam a população, além de ter a seu lado algumas potências como a Rússia e a China, cujos interesses comerciais no país dependem da permanência do ditador. As negociações mediadas pela Noruega falharam, prolongando um impasse em que Maduro não hesita em continuar vitimando os venezuelanos com a fome e a violência generalizadas.

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