Mortes no Maranhão e a ascensão de facções criminosas no Paraná não são apenas fruto do descaso do poder público, mas também da mentalidade de uma população que esquece dos presos e até lhes deseja toda sorte de sofrimento atrás das grades
É com horror que o país acompanha a situação monstruosa dos presídios do Maranhão. As decapitações de detentos vítimas das brigas pelo comando entre as facções criminosas que habitam a penitenciária de Pedrinhas exprimem o caos vigente no sistema prisional da terra da família Sarney, mas, ao mesmo tempo, trazem outra vez à luz que o caos está presente também nos demais estados, incluindo o Paraná.
Tido como exemplo de gestão por ter tirado dos xadrezes das delegacias milhares de detentos e os transferido para penitenciárias nas quais teriam sido criadas mais vagas, o Paraná está longe de se apresentar como modelo. Que o digam as recentes rebeliões, os guardas feitos de reféns e a comprovação conforme reportagens que a Gazeta do Povo tem publicado de que nossos presídios podem não ter padrões maranhenses, mas também apresentam sérios problemas.
A distanciar-nos para pior do que se vê em outros lugares é que, aqui, quem exerce poderoso e quase incontrolável mando nas penitenciárias são os "sindicatos" de criminosos, inclusive os organizados sob o Primeiro Comando da Capital (PCC). Nascido em São Paulo após o massacre do Carandiru, na década de 1990, com o suposto objetivo de proteger os presidiários da violência policial, o PCC se instalou também no Paraná, como recorda reportagem de ontem da Gazeta. Atribui-se à facção os frequentes motins e atos de insubordinação à disciplina interna vistos nas penitenciárias do estado.
A reação das autoridades diante de cada rebelião ou ameaça tem sido a de obediência às determinações dos próprios presidiários, como agora se viu com a transferência de 40 detentos para prisões do interior. Momentaneamente, a "paz" é restabelecida, mas não há mudanças visíveis nos campos estrutural ou das políticas prisionais. O que significa que nada nos livra da repetição, em prazos curtos, de episódios idênticos ou mais graves que os noticiados nos últimos dias.
Questões de fundo não são atacadas. Há o velho discurso inspirado no enciclopedista francês Jean-Jacques Rousseau, que dizia que "construir escolas é fechar prisões", mas pouco se faz efetivamente para cuidar da questão atual, real e cotidiana das nossas penitenciárias. É possível que elas estejam superlotadas em razão da precariedade do sistema educacional algo sobre o que os acadêmicos podem discorrer com muita propriedade. Entretanto, nem se constroem escolas, nem se melhora a educação, e muito menos se investe na adoção de políticas prisionais para superar ou abrandar o caos existente, criando mais vagas e assegurando condições de sobrevivência humana nas penitenciárias.
Dentre as muitas distorções que levam ao desmando do sistema, com todos os seus horrores, encontram-se a omissão, a corrupção e a leniência das próprias autoridades desde as responsáveis institucionais até os mais simples carcereiros, alguns dos quais facilitam a entrada nos presídios de celulares, drogas e até armas. Mas, a este conjunto de fatores, que evidencia a total falta de prioridade que o Estado dedica ao sistema prisional, soma-se a "cabeça do brasileiro", para quem a cadeia é lugar onde criminosos devem pagar não apenas com a privação da liberdade, mas também com toda sorte de sofrimentos, com maus-tratos e até com a morte. Está justamente no livro que leva o título de A cabeça do brasileiro o registro estatístico sobre como a população encara o crime e os criminosos.
Segundo descreve seu autor, o cientista político Alberto Carlos Almeida, quatro em cada dez brasileiros consideram sempre correto, ou correto na maioria das vezes, que condenados por estupro sejam também violentados no interior das cadeias situação demonstrativa da pouca importância que a população dá aos horrores e ao desespero imperantes nos presídios infectos e superlotados. Para muitos, infelizmente, defender que o criminoso condenado tenha níveis mínimos de dignidade na cadeia equivale a pedir supostos privilégios aos presos, o que trava a discussão. Por isso, convenhamos, investir em prisões não rende votos e, consequentemente, os políticos pensam tão pouco neste assunto a não ser quando das emergências horríveis como as que hoje presenciamos.
Dê sua opiniãoVocê concorda com o editorial? Deixe seu comentário e participe do debate.