Em um único mês de abril, o coronavírus nos fez perder um 2019 inteiro (e até mais) em termos de empregos com carteira assinada. Se no ano passado o Brasil tinha gerado 644 mil vagas formais, no saldo entre contratações e demissões, o primeiro mês “cheio” de pandemia cortou 860 mil empregos, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Foi o pior resultado não apenas para abril, mas para qualquer mês desde o início da série histórica, em 1992, batendo até mesmo os meses de dezembro, quando normalmente há mais demissões que contratações – até agora, o recorde negativo havia ocorrido justamente em dezembro de 2008, quando foram fechadas 695 mil vagas.
Poderia ter sido bem pior, é verdade. Segundo o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco Leal, 8,3 milhões de empregos foram mantidos graças à MP 936, que possibilitou a redução proporcional de salário e jornada, ou a suspensão do contrato de trabalho, com compensação bancada pelo governo federal. Sem essa possibilidade, talvez milhões de outros brasileiros poderiam ter sido demitidos. E, como a redução ou suspensão dentro das regras da medida provisória ainda garante a estabilidade do empregado pelo dobro do tempo de duração do acordo, o governo espera que os números não piorem muito no futuro próximo – nem mesmo daqui a seis meses, quando se encerrará a estabilidade daqueles que tiverem feito os acordos com a duração mais longa permitida pela MP. Até lá, assim espera o governo, o pior da pandemia já terá passado e a atividade econômica já terá retornado a níveis que permitirão a manutenção da maioria desses empregos.
É preciso destravar o acesso das empresas ao crédito disponível para bancar salários. Não há muito tempo a perder
Mas é possível questionar se ao menos parte desses empregos perdidos poderia ter sido mantida, evitando um resultado tão ruim no Caged. Isso porque o governo já sabe que uma de suas medidas para preservar empregos não teve o resultado esperado. A linha especial de financiamento a juros baixos – iguais à taxa Selic – para empresas bancarem a folha de pagamento por dois meses não chegou a boa parte das empresas que poderiam ter se beneficiado desse dinheiro. A expectativa inicial do governo era que os R$ 40 bilhões fossem usados por até 1,4 milhão de pequenas e médias empresas para pagar 12,2 milhões de trabalhadores. No entanto, até agora apenas 76 mil empresas pegaram R$ 1,8 bilhão para custear o salário de 1,25 milhão de empregados. A necessidade de a empresa ter folha de pagamento bancarizada – o que não acontece com muitas micro e pequenas empresas – e exigências adicionais feitas pelos bancos represaram o dinheiro. Um esforço de cruzamento de dados poderia mostrar se há empresas que demitiram justamente por não terem conseguido esta ajuda.
O governo reconhece que há dificuldades para fazer o crédito disponível chegar a quem dele precisa. “O problema hoje é que o crédito não chega na ponta, e as nossas ações ainda não se traduziram num aumento tão grande como o aumento de demanda”, afirmou recentemente Carlos da Costa, secretário de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, e que destravar o acesso aos recursos disponíveis tem sido a prioridade da equipe econômica. Os números do emprego de abril mostram que não há muito tempo a perder. O ministro Paulo Guedes afirmou que entre as opções estudadas estão um repasse a micro e pequenas empresas nos moldes do auxílio emergencial a pessoas físicas – o dinheiro não precisaria ser devolvido caso a empresa pagasse o mesmo valor em impostos em 2021. Ideias existem; o desafio é criar modelos que deixem para trás a burocracia, reconheçam a realidade das micro e pequenas empresas brasileiras (como o fato de muitas delas não terem folhas de pagamento bancarizadas) e façam o dinheiro chegar a elas antes que seja tarde demais.
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Mesmo a gradual reabertura dos negócios, que já ocorre em algumas cidades e estados, pode demorar para surtir efeito benéfico sobre o emprego, pois a demanda continuará retraída por algum tempo, seja porque os consumidores estão evitando gastos que não sejam urgentes, seja porque o medo de contrair o coronavírus deve reduzir a frequência a estabelecimentos como bares, restaurantes, lojas e shopping centers. Neste cenário, o governo não pode baixar a guarda e precisa monitorar dados de demissões e fechamento de empresas com a mesma intensidade com que se atualizam os dados de infectados e mortos pela Covid-19, para ter a dimensão exata do tamanho do estrago e pensar em mais formas de combatê-lo. A desoneração da folha de pagamento surge como uma opção possível, e a equipe econômica precisa pelo menos considerar – mesmo que seja apenas para descartar como impraticável – a ideia de realizá-la agora, de forma emergencial, deixando para mais adiante, dentro do marco da reforma tributária, as discussões sobre como essa arrecadação será compensada. A preservação dos empregos vale esse esforço.