Na quarta-feira, dia 18, Donald Trump se tornou o terceiro presidente norte-americano a ter seu impeachment aprovado pela Câmara de Representantes. Mas, assim como ocorreu com Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, o republicano deve escapar da cassação no Senado, que ainda não tem data para realizar o julgamento. Em uma sessão com seis horas de debates e comparações com o julgamento de Jesus Cristo e o ataque japonês a Pearl Harbor, ficou claro que há pouquíssimas chances de algum parlamentar mudar de ideia, pois os dois lados têm adotado posições monolíticas pelo impeachment ou pela absolvição de Trump, com raríssimas exceções no lado democrata.
E se na Câmara, onde os democratas têm maioria, bastavam 216 deputados – pouco menos da metade da casa legislativa – para fazer o impeachment avançar, no Senado o jogo é bem diferente: a cassação depende do voto de dois terços dos senadores, ou 67 parlamentares. A oposição democrata é minoria, com 45 senadores, além de dois independentes. Seria preciso convencer 20 dos 53 republicanos, mas, por mais ressalvas que vários membros do partido tenham a respeito do presidente, na Câmara eles cerraram fileiras em torno de Trump: nenhum republicano votou contra o atual ocupante da Casa Branca.
Por mais ressalvas que vários republicanos tenham a respeito do presidente, na Câmara eles cerraram fileiras em torno de Trump
O presidente enfrenta duas acusações, formalmente chamadas “artigos de impeachment”, e ambas motivadas por um episódio de julho deste ano, em que Trump teria pedido ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski, que abrisse investigação contra Joe Biden, ex-vice-presidente nos dois mandatos de Barack Obama e pré-candidato democrata para 2020, e seu filho Hunter – este último trabalhou em uma empresa ucraniana e é suspeito de corrupção. Em troca, Trump ofereceria ajuda militar para o governo de Kiev, que enfrenta separatistas russos no leste do país. No primeiro “artigo”, Trump é acusado de abuso de poder, pelo pedido de investigação; no segundo, ele responde por obstrução do Congresso, ao supostamente proibir que funcionários do governo prestassem depoimento durante as investigações do caso no Legislativo. Trump e os republicanos negam ambas as acusações e afirmam que o processo é uma tentativa de os democratas vencerem no tapetão a eleição que davam como certa em 2016, mas que Hillary Clinton acabou perdendo. Em 2017 já houve tentativas de remover Trump da Casa Branca, mas nenhuma prosperou; só a reversão da maioria na Câmara dos Representantes, que passou para os democratas nas eleições de 2018, deu impulso para a aprovação de acusações contra o presidente.
A transcrição da conversa telefônica divulgada pela Casa Branca deixa claro que Trump e Zelensky falaram de Biden, mas não houve menção alguma à ajuda de US$ 391 milhões. Os democratas alegam que a chantagem estava implícita, pois Trump tinha bloqueado o envio do dinheiro uma semana antes do telefonema, e liberado o repasse em 11 de setembro, quando o caso já tinha vindo a público. Um dia depois da divulgação do conteúdo do diálogo, Zelensky negou qualquer tipo de pressão da parte de Trump, e a controvérsia está em julgar a intenção do presidente: ele efetivamente queria prejudicar um possível adversário em 2020, ou estaria apenas preocupado com supostos atos de corrupção cometidos por um cidadão americano em outro país?
As votações desta quarta-feira exigem uma comparação com o caso de Bill Clinton, que teve contra si quatro “artigos de impeachment” analisados por uma Câmara de maioria republicana. Apenas dois deles foram aprovados – em um dos casos, 81 republicanos votaram para derrubar a acusação –, e alguns poucos deputados democratas também votaram pelo impeachment. No Senado, Clinton também foi absolvido com votos da oposição. Em 1974, o republicano Richard Nixon foi abandonado por seu partido e renunciou antes que a Câmara votasse os “artigos de impeachment”, tão forte era a evidência do caso Watergate. O que explicaria o fato de agora as votações respeitarem quase que totalmente as trincheiras partidárias? O acirramento da polarização, embora real, é uma hipótese insuficiente. Muitos republicanos discordam de Trump e seus métodos, e não votariam para preservar seu mandato apenas por se tratar de “um dos nossos”; mais provável é que esses deputados acreditem, de boa fé, que as acusações são inconsistentes e que aprová-las seria banalizar o processo. Assim como, do lado democrata, embora haja quem simplesmente queira derrubar Trump pelo mero fato de ser um adversário político, também haverá quem esteja analisando os fatos e concluindo, igualmente de boa fé, que o presidente cometeu irregularidades.
O caso de Trump tem uma característica única: ao contrário de seus dois antecessores que passaram pelo impeachment, ele é o primeiro a ter a chance de disputar a reeleição – Clinton enfrentou seu processo no segundo mandato, e Andrew Johnson não foi o escolhido dos democratas para a eleição de 1868. Até agora, o efeito da novela sobre o eleitorado tem sido favorável ao presidente, que também exibe ótimos indicadores econômicos. Os democratas estão divididos quanto ao andamento do processo no Senado – há quem queira estendê-lo, na esperança de surgirem novos indícios que prejudiquem Trump perto da eleição, que ocorre em novembro; e há quem, dando a absolvição por certa, prefira encerrar logo o processo para priorizar as primárias e a definição dos temas de campanha. Se o Partido Democrata insistir em políticas morais e plataformas identitárias que não têm conquistado o eleitor americano, chegar a 2020 com a pecha de “maus perdedores” dispostos a desrespeitar as urnas só vai piorar suas chances.