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Nos últimos anos, muito tem sido escrito e falado sobre dois problemas atuais brasileiros: a pobreza e o desemprego, sabendo que ambos se alimentam mutuamente – quando o desemprego aumenta, aumenta o número de pobres; quando a economia se recupera, os pobres apresentam insuficiente qualificação para ocupar os novos postos de trabalho. Mas, de qualquer forma, quando a economia cresce, a procura por mão de obra se eleva, o desemprego se reduz e ajuda na diminuição da pobreza. O economista Arthur Okun (1928-1980) não se contentou com essa explicação e desenvolveu um interessante raciocínio. Quando o desemprego aumenta muito – e em geral isso ocorre por fraco desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) –, ele indica que algo vai mal com o nível de atividade geral, situação comum em períodos de recessão em que as empresas reduzem a produção e demitem parte dos trabalhadores para enfrentar a crise e não irem à falência.
Até meados dos anos 1950, a teoria econômica relatava que, em praticamente todos os casos de recessão, o aumento nas taxas de desemprego provocaria queda do consumo e, por decorrência, queda dos preços. Ou seja, recessão e desemprego sempre eram acompanhados de baixas taxas de inflação, quando não criavam deflação (queda dos preços absolutos). Acreditava-se que havendo desemprego, queda do consumo e redução das vendas, o nível geral de preços acabaria se reduzindo, e esse fato faria que o poder de compra dos que não perderam o emprego fosse elevado. Essa era a visão geral, pois os fenômenos econômicos nascem primeiro na realidade para, após ocorrerem e serem submetidos a testes cientificamente válidos, darem causa a teorias e princípios.
Porém, começaram a surgir casos em que, junto com a recessão e o aumento do desemprego, a inflação não cedia – pelo contrário, até aumentava, criando um fenômeno estranho: menos produção, menos emprego, menos renda nacional disponível para consumo, menor venda das empresas e, apesar de tudo isso, preços subindo. Esse fenômeno chamou a atenção dos economistas e dos órgãos de estudos e pesquisas, que buscaram entender como era possível haver recessão e inflação ao mesmo tempo, e o problema da inflação tornou-se um dos temas mais estudados. Sugiram daí novas teorias e novas explicações sobre a ocorrência de inflação em ambiente recessivo.
Na hipótese de existir o índice de miséria, a elevação da taxa de juros já não é eficiente para promover a redução da inflação, pois esta não resulta de excesso de consumo, mas sim de outros fatores
O economista Arthur Okun, no entanto, resolveu direcionar seu olhar de pesquisador para outro aspecto do problema: o efeito social geral e o impacto sobre a pobreza em especial, resultantes da combinação de recessão e inflação, levando-o a criar o chamado “índice de miséria”, um indicador numérico representativo da soma da taxa de inflação mais a taxa de desemprego. Para tanto, ele procurou entender a partir de qual taxa a inflação isolada se torna um mal social grave e, da mesma forma, a partir de qual taxa o desemprego se torna um problema sério. Algum desemprego sempre haverá em função da dinâmica da produção, da mobilidade do mercado de trabalho e das flutuações nas vendas de bens e serviços, como também pelas mudanças na composição do produto nacional em termos de itens e produtos.
Okun estudou esses temas e convencionou-se que o desemprego de até 5% da população economicamente ativa (aquela em condições de trabalhar) pode ser tomado como normal, pois sempre haverá pessoas desempregadas por estarem mudando de profissão, de cidade ou se transferindo de um trabalho a outro. Os economistas passaram a chamar esse efeito de “desemprego fricativo”, isto é, resultado da fricção entre as vagas existentes e os trabalhadores desempregados em cada especialidade e em cada região. Se passar de 5%, o desemprego começa a ser um problema revelador de alguma fragilidade na estrutura produtiva quanto à capacidade de gerar vagas suficientes para garantir o pleno emprego.
Quanto à inflação, inicialmente convencionou-se que até a taxa anual de 4% ela não é sinal de problema ou deformidades graves no sistema econômico. Porém, acima dessa taxa, ela começa a corroer mais fortemente o poder de compra dos salários e piora o padrão médio de vida; logo, deve ser combatida para voltar ao padrão anterior de uma taxa inferior. Foi assim que Okun criou sua fórmula de somar a taxa de inflação mais a taxa de desemprego para, em função do número obtido, entender seus efeitos sobre o aumento da pobreza. Para ilustrar, com taxa de inflação de 4% e desemprego de 5%, o índice 9 obtido não gera, segundo Okun, estragos sociais severos. Fazendo diversas combinações desses dois índices, Okun concluiu que, se a soma de ambos der resultado igual ou superior a 12, isso significa que está havendo sérias deficiências na economia, que podem ir desde desorganização no sistema produtivo até elevação do quadro de pobreza e miséria.
Okun estendeu seus estudos para outros campos, e um deles foi tentar descobrir, na condição tecnológica dada no momento, qual é a taxa de crescimento do PIB que reduz a taxa de desemprego em um ponto porcentual. A intenção de Okun era oferecer aos governos melhores instrumentos teóricos sobre o tamanho da pobreza e os meios para enfrentá-la. Hoje se sabe que, à luz da velocidade nas mudanças tecnológicas e no grau de automação dos processos produtivos, é comum haver crescimento do PIB sem a correspondente elevação do número de empregos. Durante décadas, era consenso que, para baixo desemprego (por causa da produção em alta), a inflação pode acabar subindo por eventual excesso de demanda; logo, os bancos centrais usam a elevação da taxa de juros para desaquecer o consumo e desestimular o aumento dos preços. Ou seja, usa-se a elevação dos juros para combater a inflação.
O problema dramático, que Okun examinou em seu estudo sobre o índice de miséria, é a existência de alto desemprego e, mesmo com consumo desaquecido, haver também alta inflação (a estagflação). Se forem somadas uma inflação de 10% com taxa de desemprego de 13%, tem-se o índice 23 que, para Okun, revela preocupante situação de pobreza (a julgar pelo índice de 12 que Okun via como o máximo para não caracterizar o “índice de miséria”). Outra conclusão é que, na hipótese de existir o índice de miséria, a elevação da taxa de juros já não é eficiente para promover a redução da inflação, pois esta não resulta de excesso de consumo, mas sim de outros fatores, como é o caso de choques de oferta (queda da produção a taxas superiores à queda do consumo).
Pois essa é a situação atual do Brasil. As taxas de inflação e desemprego estão respectivamente em 10,6% e 13%, situação para a qual o aumento da taxa de juros não é remédio eficaz. Vale insistir que a elevação dos juros no Brasil destina-se a impedir a corrosão das poupanças e ativos financeiros, evitar debandada de aplicações financeiras para aplicações em ativos reais e conter eventual desestímulo ao hábito de poupar. Secundariamente, sobretudo até que o PIB aumente e a oferta seja restabelecida (coisa que foi agravada pela pandemia e pela grave falta de chuvas), a elevação dos juros pode ter algum efeito inibidor da inflação, mas não é essa sua função principal. Esse, sim, é um assunto importante e prioritário para estudo, discussão, debate e busca de solução neste ano eleitoral. Infelizmente o Brasil é contumaz em gastar tempo e energia demais com as brigas e fisiologias cotidianas da vida política, especialmente em ano de eleições, deixando em segundo plano os assuntos relevantes para o progresso da nação.