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Editorial

O Judiciário paranaense comete uma grande injustiça

TJ-PR
Tribunal de Justiça do Paraná. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

Nota da redação: Este editorial é uma versão atualizada de um texto já publicado em 30 de junho, antes do julgamento de que trata o editorial. À época, o texto foi publicado priorizando sua divulgação para os leitores paranaenses. Diante da gravidade da situação, no entanto, optamos por republicá-lo, desta vez tendo em vista os leitores de todo o país.

Após um período em que parecíamos ver o país começar a ser passado a limpo, com diversas ações de combate à corrupção em todos os âmbitos da administração pública, o Brasil infelizmente entrou em um período no qual o pêndulo parece se dirigir ao outro lado, com decisões nos três poderes que criam cada vez mais dificuldades para os bons agentes públicos e mais facilidades para os corruptos. O fim da prisão após condenação em segunda instância, a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade, a destruição do pacote anticrime original do ex-ministro Sergio Moro são apenas alguns exemplos de alcance nacional, mas também é preciso olhar para o que vem ocorrendo nos estados – e o Paraná caminha para dar um exemplo muito ruim ao país, com uma decisão inédita em 120 anos.

Pela primeira vez, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) aprovou a abertura de um procedimento administrativo de investigação contra um de seus membros. Em condições normais, é uma notícia que seria recebida com júbilo, por revelar uma disposição pouco comum no âmbito do Judiciário de julgar sem corporativismos seus próprios integrantes. No entanto, neste caso específico não é isso o que ocorre – pelo contrário, pode tratar-se da consumação de uma grave injustiça contra um magistrado exemplar, algo que poderá macular a história do TJ-PR por décadas.

Os detalhes do caso são complexos e técnicos e foram abordados com fôlego em matéria desta Gazeta publicada em 21 de junho. Mas a compreensão da injustiça não requer a análise e o conhecimento das particularidades do caso e de seu contexto. Basta ter em conta que um magistrado com um histórico irrepreensível de combate à corrupção, o desembargador José Maurício Pinto de Almeida, tomou uma decisão franca e transparente durante uma sessão de sua câmara no TJ-PR, guiado pela intenção de assegurar um julgamento justo em vários casos que seriam apreciados naquela ocasião. Almeida declarou sua inimizade aberta com um juiz substituto que viera compor o quórum da câmara, e por isso pediu o adiamento dos julgamentos até que o desembargador titular da câmara voltasse de uma licença médica.

Os juízes são seres humanos e, assim, uma severa inimizade entre os integrantes de um mesmo colegiado pode desvirtuar, ainda que inconscientemente ou involuntariamente, a direção essencial da atividade judicial: a elaboração de uma decisão justa para o caso concreto.

Não nos cabe – e nem é o ponto central da controvérsia – avaliar se a exposição da inimizade e a opção pelo adiamento dos julgamentos foi uma decisão correta ou não. A atitude preventiva do desembargador Almeida se deu dentro do contexto da sua função judicante, foi exercida de forma pública e transparente e tinha por origem e por pano de fundo discordâncias graves em relação à maneira como o juiz substituto votara em outros casos de corrupção. E bem sabemos que a retirada dos processos de pauta de julgamento não é um acontecimento anormal e ocorre com frequência.

É verdade que, em razão da declaração de inimizade, outros julgamentos do dia tiveram de ser adiados, o que, aliás, teria acontecido sem causar celeuma alguma caso Almeida se declarasse suspeito (quando tecnicamente um juiz entende não ter condições adequadas para julgar não precisando nem mesmo declinar por quais motivos). Em razão do recesso de fim de ano, eles só voltaram a ser julgados em sessões seguintes – o último deles, 77 dias após a data inicial. Um prazo não desprezível, mas ainda absolutamente razoável e comum dentro da dinâmica judicial, estando até mesmo dentro dos limites definidos pelo CNJ, em mais uma demonstração de que não haveria razão alguma para insurgência.

A novidade, o extraordinário, foi o fato de 17 dos 25 integrantes do Órgão Especial do TJ-PR terem permitido que, por este fato corriqueiro, um magistrado seja alvo de um processo administrativo, sofrendo o risco de ser constrangido e punido. Tudo isso justamente contra um desembargador que, com reconhecimento da comunidade jurídica em geral, construiu uma carreira com trabalho sério e em busca do ideal de justiça.

Ficam no ar muitas dúvidas. Deve um juiz ser punido quando age com transparência, honestidade de propósitos e fundamentos? Há proporção entre a acusação imputada ao desembargador e a abertura de um processo administrativo? A injustiça, portanto, não estaria configurada apenas se o desembargador Almeida acabar punido – a mera abertura do processo disciplinar já é uma agressão desmedida, e que se torna ainda mais flagrante quando se analisa o histórico de punição disciplinar do Tribunal de Justiça, corte em que já ocorreram eventos de agressões e denúncias de nepotismo, sem que fossem abertos quaisquer procedimentos administrativos.

Admita-se, ainda que por hipótese, que o desembargador tenha se equivocado na atitude que tomou. Mesmo assim, não seria o caso de levá-lo a julgamento disciplinar, pois para essas situações existem os meios processuais adequados e recursos. Não por outra razão a Justiça é estruturada em níveis. Se o juiz não errasse jamais, não haveria a necessidade de recursos, e bastaria uma única instância.

Que fique claro, aqui, que nem é necessário adentrar nos motivos que guiam os responsáveis pela abertura do processo administrativo. O simples encadeamento dos fatos deixa claro que qualquer punição contra José Maurício Pinto de Almeida apenas piorará a injustiça que já vem sendo cometida contra ele, ainda que aqueles a quem cabe impô-la o façam imbuídos pela mais sincera boa-fé.

Em resumo, vemos um juiz probo que tomou uma decisão que desagradou outro juiz, e que por isso será julgado e investigado como se tivesse cometido grave infração disciplinar. A mera possibilidade de que tal julgamento viesse a ocorrer já seria um sofrimento enorme para um homem de bem – imagine-se, então, a sua concretização, decidida pelo Órgão Especial. Impressiona a grande desproporção entre os fatos e a decisão tomada na corte, pois em nenhum momento se demonstrou que o magistrado tenha buscado deliberadamente prejudicar ou beneficiar alguém. Surpreendeu, portanto, que o TJ tenha mobilizado seu Órgão Especial para apreciar um caso em que não se vislumbrava qualquer má-fé.

A decisão de abrir o processo disciplinar é bastante simbólica, ainda que os integrantes do Órgão Especial – os mesmos, aliás, a quem caberá o julgamento final, que em caso de condenação pode gerar sanções que vão de uma reprimenda até a aposentadoria compulsória – não tenham levado isso em consideração. Para todos os efeitos, independentemente das intenções dos julgadores, a mensagem que se passa é de complacência em um sem-número de casos que realmente mereceriam investigação, enquanto se usa de extremo rigor contra um desembargador linha-dura, que vem servindo a sociedade há anos. Os bandidos e seus aliados – que ninguém se iluda – serão os únicos a comemorar com o ostracismo do desembargador José Maurício Pinto de Almeida.

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