A taxa básica de juros, a Selic, foi elevada pelo Conselho de Política Monetária do Banco Central (Copom) para 14,25% ao ano na semana passada. Embora a Selic seja a taxa que o governo paga em títulos públicos emitidos para financiar os déficits do Tesouro Nacional, ela é a base para a fixação de várias taxas de juros na economia. Como o assunto é bastante popular, surgem opiniões de todos os lados a respeito da decisão de Copom, muitas das quais emitidas sem consideração sobre os intrincados mecanismos da economia e da política monetária, dando margem a interpretações equivocadas.
Para começar, há vozes inflamadas classificando a Selic como “a maior taxa de juros do mundo”. Os autores dessa afirmação usam a comparação com a quase zerada taxa básica de juros nos Estados Unidos. A comparação da Selic de 14,25% com a baixíssima taxa dos EUA parece justificar a análise dos críticos em função da diferença nominal entre as duas taxas. Mas é um equívoco concluir que a diferença entre as duas taxas é gigantesca, o que não é verdadeiro quando se analisa a taxa líquida real, ou seja, descontados os tributos e a inflação. No Brasil, mesmo com a Selic em 14,25%, considerando a inflação próxima dos 10% e os tributos sobre os rendimentos dos títulos públicos, a taxa de juros real não passa de 3% ao ano – logo, a diferença em termos reais não é gigantesca.
A taxa de juros é consequência do crescimento da inflação, e esta é um produto eminentemente governamental
O segundo equívoco está na crença de que a elevação da Selic promove aumento equivalente nas despesas financeiras sobre a dívida pública bruta, que está por volta de R$ 3,5 trilhões, ou 64% do Produto Interno Bruto (PIB). A nova Selic de 14,25% passará a incidir sobre os novos títulos emitidos pelo governo, não sobre os títulos antigos. Mesmo nos títulos antigos com juros pós-fixados, os efeitos mais sentidos vêm da elevação da inflação, já que expressiva parcela de tais títulos é indexada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O aumento da Selic eleva o custo da dívida do governo, mas não de forma direta e proporcional.
Outro equívoco está em afirmações que às vezes circulam dizendo que a elevação da Selic destina-se a beneficiar os banqueiros, tese sem sentido. Um banco somente compra um título do governo se, na outra ponta, houver aplicação financeira de pessoa física ou pessoa jurídica, e para cada ativo do banco (sua carteira de empréstimos e financiamentos, inclusive ao governo) existe um passivo (os depósitos de pessoas e empresas). Logo, elevações na taxa Selic beneficiam os rentistas adquirentes de títulos indexados a ela, não necessariamente os resultados da instituição financeira.
Em geral, conforme os tratados da Basileia e a legislação interna, de cada 100 unidades monetárias que o banco empresta às pessoas, às empresas e ao governo, não muito mais que 10% é capital social do banco. O resto é depósito e aplicação financeira do público. Mesmo o capital social do banco não pertence totalmente ao banqueiro, mas também aos acionistas titulares de ações adquiridas na bolsa de valores. Além disso, a maior parte do dinheiro usado para compra de títulos públicos pertence aos quotistas de fundos de renda fixa, e esses fundos são pessoas jurídicas – com CNPJ, contabilidade e auditoria – dos quais o banco é apenas o administrador remunerado por taxas de administração.
Entendida a essência do problema, resta saber por que razão a taxa Selic vem sendo elevada e chegou a 14,25% ao ano na última reunião do Copom. A razão principal é a explosão da inflação, que saiu da meta de 4,5% ao ano para se aproximar dos 10% em 2015, e o único instrumento de política econômica que sobrou para combatê-la é a taxa de juros. No nível a que chegou, a inflação é um imenso mal social, prejudica o desempenho da economia, corrói o poder de compra dos salários e obriga o BC a ser duro nas medidas destinadas a debelar o mal.
A explosão inflacionária tem como causas os desequilíbrios das contas fiscais, os déficits do governo e os elevados aumentos dos preços administrados pelo governo – principalmente os preços de combustíveis, energia e transportes públicos –, que foram represados por Dilma Rousseff durante seu primeiro mandato na tentativa de segurar a inflação. Em resumo, a taxa de juros é consequência do crescimento da inflação, e esta é um produto eminentemente governamental.