No início de 2019, quando o argentino Mauricio Macri se tornou o primeiro chefe de Estado a fazer visita oficial ao Brasil após a posse de Jair Bolsonaro, os presidentes das duas principais nações sul-americanas deixaram claro o caminho que desejavam para o Mercosul: menos protecionismo e maior inserção internacional. A guinada era mais que necessária depois de muitos anos em que o bloco serviu como nada mais que um clubinho ideológico de esquerda, avesso à abertura comercial e tolerante com ditaduras como a venezuelana, a ponto de uma manobra de Dilma Rousseff, Cristina Kirchner e Pepe Mujica facilitar a entrada dos chavistas no grupo. A virada começou com a vitória de Macri, no fim de 2015, e o impeachment de Dilma, substituída em 2016 por Michel Temer, mas precisava ser consolidada.
Quase um ano depois do primeiro encontro entre Bolsonaro e Macri, o brasileiro recebeu seus colegas de Argentina, Paraguai e Uruguai na cidade gaúcha de Bento Gonçalves, neste início de dezembro, e lembrou que parte daqueles objetivos se tornou realidade. As negociações com a União Europeia finalmente levaram à assinatura do tão esperado acordo comercial entre os dois blocos, por mais que ainda seja necessária a aprovação de cada uma das nações envolvidas. Algumas delas estão mais que dispostas a colocar empecilhos, principalmente as que têm setores pesadamente subsidiados e que tendem a perder com o livre comércio, caso dos agricultores franceses, e só por isso ainda não é possível ter certeza de que as relações entre os dois blocos entrarão em um novo patamar. Em outra negociação, o Mercosul também fechou um acordo com o Efta, bloco composto por outras quatro nações europeias – Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein.
As nações sul-americanas ainda não avançaram o suficiente para resistir a tentações isolacionistas
Outros avanços ficaram para depois, como alguma flexibilidade para que os países-membros do bloco possam negociar acordos comerciais de forma isolada, naqueles casos em que não há unanimidade dentro do bloco para uma negociação que envolva o Mercosul todo. Não se trata, como já afirmamos, de enfraquecer o bloco; afinal, o Mercosul, pelo seu tamanho e por suas características, como o fato de ser uma potência agrícola, é um player importante e seus membros ganham quando atuam em conjunto. No entanto, também é verdade que as nações sul-americanas ainda não avançaram o suficiente para resistir a tentações isolacionistas, e um único membro pode inviabilizar acordos que seriam benéficos para todos os demais.
É esse tipo de teste que o Mercosul enfrentará a partir desta terça-feira, quando Alberto Fernández passa a ocupar a Casa Rosada no lugar de Macri. Se o país retomar as práticas comerciais da época de Cristina Kirchner – que também volta ao governo, no cargo de vice-presidente –, o Mercosul sofrerá muito, pois a Argentina de Kirchner tinha o hábito de impor barreiras até mesmo na hora de importar produtos dos parceiros de bloco. Em condições como estas, a aproximação com outros grupos, como a Aliança do Pacífico, estará seriamente comprometida, bem como a intenção de reduzir a Tarifa Externa Comum, cobrada dos produtos de fora do bloco. O Brasil é favorável à diminuição, enquanto Fernández já manifestou reservas a esse respeito.
O Brasil tem manifestado disposição de “construir pontes” com o novo governo argentino, mas para isso é preciso haver cooperação nas duas margens que a ponte pretende ligar. Se os argentinos retomarem a lógica protecionista, o Mercosul mais uma vez corre o risco de ficar travado, na estranha condição de bloco comercial avesso ao livre comércio, na contramão de todas as evidências que mostram a inserção comercial como uma das chaves para o desenvolvimento dos países.
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