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Editorial

O morticínio de cristãos e a liberdade religiosa

Estátua ao lado de marcas de estilhaços na Igreja de São Sebastião, em Negombo, em 22 de abril de 2019, um dia após o prédio ter sido atingido como parte de uma série de explosões de bombas contra igrejas e hotéis de luxo no Sri Lanka. (Foto de ISHARA S. KODIKARA / AFP)
Estátua ao lado de marcas de estilhaços na Igreja de São Sebastião, em Negombo, em 22 de abril de 2019, um dia após o prédio ter sido atingido como parte de uma série de explosões de bombas contra igrejas e hotéis de luxo no Sri Lanka. (Foto de ISHARA S. KODIKARA / AFP) (Foto: AFP)

Neste domingo (21) de Páscoa, enquanto milhões de famílias comemoravam uma data símbolo de esperança em grande parte do mundo, um atentado terrorista coordenado em várias cidades do Sri Lanka, no sudeste asiático, chocou o planeta. Até agora, são 290 mortos e mais de 500 feridos. Embora 24 pessoas tenham sido presas, a polícia ainda investigue as motivações e nenhum grupo terrorista tenha reivindicado a autoria dos ataques, o viés anticristão do morticínio é claro: além de hotéis, três igrejas cristãs lotadas pela festividade pascal foram alvo dos ataques nas cidades de Colombo, Negombo e Batticaloa.

Por enquanto, o governo do país, que conta com o auxílio da CIA, do FBI e da Interpol na investigação, atribui os atentados ao grupo islamista National Thowheet Jama'ath, que tem um histórico de atentados suicidas contra a maioria hindu do país, que representa cerca de 70% da população, ante 9% de islâmicos e quase 8% de cristãos, sendo a maioria destes católicos. No entanto, o horror dos atentados deste domingo, o mais grave em dez anos, desde que a guerra civil acabou no Sri Lanka, não é um caso isolado: infelizmente ele se insere em um contexto de crescente intolerância religiosa em algumas partes do globo – um problema que, quando atinge cristãos, não tem a devida atenção das elites intelectuais do Ocidente.

A manifestação pública desses líderes, no afã politicamente correto, fez os cristãos tornarem-se “adoradores da Páscoa"

A Organização Portas Abertas publica há 25 anos a Lista Mundial de Perseguição (LMP), um dos relatórios mais importantes para quantificar a violência contra cristãos no mundo. O ranking de piores países é construído a partir de uma escala de 0 a 100, elaborada a partir de indicadores, questionários e consulta a parceiros in loco, em que 0-40 representam “perseguição variável”; 41-60, “perseguição alta”; 61-80, “perseguição severa”; e 81-100, “perseguição extrema”. Entre os motivos mais comuns de perseguição, além de intolerância secular e perseguição de ditaduras, está a opressão islâmica. Na LMP de 2019, os 11 primeiros colocados da lista foram classificados como países onde há perseguição extrema: Coreia do Norte, Afeganistão, Somália, Líbia, Paquistão, Sudão, Eritreia, Iêmen, Irã, Índia e Síria. Nesses países, vivem cerca de 75 milhões de cristãos nas condições mais perigosas concebíveis, mas a Portas Abertas estima haver 245 milhões de cristãos que sofrem algum tipo de perseguição no planeta – uma população maior que toda a brasileira.

Outra organização que trabalha no campo há décadas, a “Ajuda à Igreja que Sofre”, que monitora violações à liberdade religiosa não só de cristãos, mas de outras religiões, apontou, em 2018, uma piora da situação de grupos religiosos minoritários em 18 dos 38 países onde há violações significativas desses direitos. O relatório aponta um recrudescimento do antissemitismo e da islamofobia no Ocidente, em decorrência das complicações migratórias na Europa, mas alerta que “há cada vez mais provas de uma cortina de indiferença por trás da qual as comunidades religiosas vulneráveis sofrem, sendo a sua luta ignorada em grande parte do mundo” e que “aos olhos dos governos e da comunicação social ocidentais, a liberdade religiosa está caindo nos rankings de prioridades dos direitos humanos, sendo eclipsada pelas questões de gênero, sexualidade e etnia”.

Esse é um problema inegável que ficou ainda patente com a vergonhosa omissão de lideranças democratas nos Estados Unidos, incluindo Barack Obama e Hillary Clinton, em expressar solidariedade aos cristãos mortos no Sri Lanka. A manifestação pública desses líderes, no afã politicamente correto, fez os cristãos tornarem-se “adoradores da Páscoa”. É inegável nas elites ocidentais contemporâneas a indiferença, e até a hostilidade, à experiência religiosa. Essa postura, a mesma que quer reduzir cada vez mais a margem da liberdade de manifestação religiosa em temas como aborto e ideologia de gênero, é a fonte da pouca atenção que a perseguição de cristãos recebe nos fóruns internacionais, muito embora a liberdade religiosa seja uma das pedras fundamentais do sistema de proteção de direitos humanos criado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Felizmente, esse quadro pode estar mudando. Em 2018, a Hungria patrocinou na ONU o encontro de alto nível “Liberdade contra perseguição: minorias religiosas cristãs, pluralismo religioso em perigo” para lançar luz sobre o problema. Os Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump, têm sido mais vocais na defesa da liberdade religiosa no plano internacional. Organizações como as próprias Portas Abertas e Ajuda à Igreja que Sofre, além da Solidariedade Cristã Mundial, estão conseguindo acreditação junto à ONU para receber recursos e ajudar perseguidos em áreas sensíveis. Reconhecer o problema é um primeiro passo imprescindível, mas é preciso ir além: países que patrocinam esse tipo de perseguição ou que são coniventes com o terrorismo precisam ser alvo de intensas pressões diplomáticas, seja de seus pares, seja dos organismos multilaterais. Pautado por princípios democráticos e de tolerância, nos marcos do multilateralismo, o Brasil poderia se destacar positivamente no plano internacional ao somar esforços no combate ao morticínio de cristãos e na defesa da liberdade religiosa.

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