Se o plano inicial de Vladimir Putin era conseguir rapidamente uma rendição da Ucrânia, sendo frustrado pelo tamanho e pelo heroísmo da resistência da população invadida, a nova estratégia é vencer pelo cansaço – não apenas o cansaço dos ucranianos, mas o daquela parte da comunidade ocidental que se mobilizou para impor sanções à Rússia como forma de conter o expansionismo de Putin. Para isso, o russo conta com uma desmobilização da opinião pública em vários países e também usa como ferramentas de chantagem o fornecimento de itens vitais para qualquer sociedade: alimentos e, especialmente, energia.
Nos Estados Unidos, que chegaram a liderar o movimento ocidental pela imposição de sanções econômicas à Rússia, o presidente Joe Biden está pressionado pelo precário desempenho econômico – à inflação global soma-se, agora, uma recessão. Para evitar uma derrota avassaladora nas eleições de novembro, as midterms, em que boa parte do Congresso será renovado, Biden tem se esforçado para desviar a atenção do eleitor dos temas econômicos, mas resolveu fazê-lo apelando não à resistência a Putin, mas a temas morais como o acesso ao aborto, após a decisão da Suprema Corte que derrubou Roe v. Wade.
A história saberá separar e julgar aqueles que fizeram tudo o que estava a seu alcance para frear Putin, e aqueles que o ajudaram a manter funcionando sua máquina de agressão
A posição norte-americana deixa os europeus como os protagonistas da oposição à Rússia; eles, no entanto, são os mais vulneráveis a retaliações russas no fornecimento de energia, devido à enorme dependência de gás russo em nações como a Alemanha. A Rússia já vem reduzindo o fluxo no gasoduto Nord Stream, alegando dificuldades técnicas de manutenção, o que a Alemanha contesta. Por mais que a população europeia continue a apoiar maciçamente os ucranianos, a aposta russa é erodir esse apoio à medida que os europeus se vejam em dificuldades para garantir a energia necessária à indústria ou a atividades básicas como o aquecimento residencial. Por enquanto, os líderes europeus vêm se esforçando para escapar da chantagem russa, anunciando um plano de redução voluntária de consumo enquanto buscam fontes alternativas de energia.
No entanto, o calcanhar de Aquiles da estratégia ocidental de conter a Rússia por meio de sanções econômicas está no fato de elas só terem sido adotadas pelas economias desenvolvidas da Europa e da América do Norte – e mesmo estes países ainda não têm como abrir mão completamente das commodities russas. Com isso, a Rússia vem registrando superávits comerciais robustos: apenas no segundo trimestre, o saldo positivo foi de US$ 70 bilhões, o maior desde 1994, colaborando também para impedir a desvalorização do rublo. Nações asiáticas, africanas e latino-americanas – incluindo o Brasil – continuam mantendo relações comerciais com a Rússia em níveis próximos da normalidade pré-invasão da Ucrânia, o que, no fim das contas, significa financiar a agressão militar de Vladimir Putin contra o povo ucraniano.
No entanto, em uma situação com essa não há como se esconder atrás das alegações de que é necessário ser pragmático. Não estamos diante de uma simples querela entre vizinhos, mas de um dos maiores retrocessos civilizatórios em muitas décadas, em que uma potência nuclear se julga no direito de atacar outra nação soberana para impedi-la de definir seu próprio destino, ressuscitando um tipo de imperialismo que se julgava definitivamente abandonado. Momentos como este pedem lideranças firmes, que se recusem terminantemente a continuar bancando a loucura de Putin; e populações resilientes, que entendam a necessidade de sacrifícios temporários em nome da solidariedade para com o povo ucraniano e a necessária contenção de um autocrata que se julga onipotente. A neutralidade, neste caso, é cumplicidade, e a história saberá separar e julgar aqueles que fizeram tudo o que estava a seu alcance para frear Putin, e aqueles que o ajudaram a manter funcionando sua máquina de agressão.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Deixe sua opinião