O Brasil vive hoje um impasse como em poucos episódios da história nacional. O país se move por inércia: as instituições continuam funcionando, as pautas do Congresso Nacional e dos tribunais superiores vão sendo cumpridas, mas é um movimento que apenas camufla o tamanho da crise política que tomou Brasília. Com uma presidente da República desmoralizada e sem uma base sólida de apoio no Legislativo para governar, e um presidente da Câmara dos Deputados igualmente desmoralizado, envolvido em denúncias de enriquecimento ilícito e ameaçado de cassação por quebra de decoro parlamentar, os grandes assuntos do país e as grandes reformas que seriam necessárias para tirar o Brasil da crise econômica ficam soterrados, aguardando o desfecho de uma crise que é política e moral.
Mas o país não pode esperar. Enquanto Dilma Rousseff e Eduardo Cunha consagram o “acordão” e se escoram um no outro para preservar as cabeças de ambos, o brasileiro comum, que deseja trabalhar e empreender em paz, paga o preço de anos de desmandos na economia, com inflação e desemprego em alta. As decisões que poderiam colocar o país de volta no caminho do crescimento são adiadas justamente porque em Brasília a presidente da República, o presidente da Câmara e os aliados de ambos só se empenham em dançar a complexa coreografia do impeachment e da cassação, mordendo e assoprando conforme as denúncias vão estourando. Como desatar este nó?
O vácuo de estadistas atual deveria nos deixar ainda mais perplexos porque, no fim das contas, o que tem de ser feito é simples e evidente
Embora nem de longe seja possível resumir as causas da paralisia nacional a apenas duas pessoas, elas são importantíssimas para entender como chegamos à situação atual e, justamente por isso, são a chave para destravar o país. É nesse contexto que se torna urgente a saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados – o mínimo a se esperar, pois o resultado ideal seria sua cassação pela evidente falta de decoro cometida em depoimento na CPI da Petrobras, quando Cunha negou ter as contas no exterior cuja existência está agora documentada pelo Ministério Público na Suíça.
Como já lembramos neste espaço, por muito menos já vimos renúncias de um presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, e de um presidente do Senado, Renan Calheiros (depois reconduzido ao posto com as bênçãos do Planalto). Cunha já deu mostras suficientes de que não pretende renunciar, o que é outro sintoma da decadência moral da política praticada em Brasília. Na verdade, ele tanto se apega ao cargo que colocou aliados para intimidar membros do Conselho de Ética, que na terça-feira, dia 3, abriu processo para investigar o presidente da Câmara. E, como sua prioridade imediata é preservar o posto, Cunha acaba deixando em segundo plano seu trabalho como presidente de uma das casas do Legislativo federal.
Em crises anteriores, sempre despontaram lideranças conciliadoras e vozes do bom senso. Após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, Tancredo Neves costurou a solução parlamentarista que, pelo menos por algum tempo, retardou um golpe militar. Nos anos 70 e 80, Ulysses Guimarães lutou, dentro dos marcos institucionais, pela redemocratização, pelas Diretas e, depois, conduziu a Constituinte. Um dos elementos que diferenciam a crise atual das crises do passado é a ausência de uma voz do bom senso como foram Tancredo e Ulysses.
Esse vácuo de estadistas deveria nos deixar ainda mais perplexos porque, no fim das contas, o que tem de ser feito é simples e evidente. Há tanta dificuldade assim em ter um discurso claro e um posicionamento baseado em princípios, e não em oportunismo? Um discurso agregador, com autoridade moral, dirigido a todos aqueles que estejam genuinamente preocupados com os rumos do Brasil, e não em preservar seus cargos ou partidos afundados em corrupção? Como é possível que ninguém, hoje, nem na oposição, nem na situação, seja capaz de cumprir tarefa tão essencial?
A eventual solução do impasse que paralisa o Legislativo, no entanto, é apenas meio caminho andado para que o Brasil volte a caminhar. Há um outro entrave à retomada do crescimento, e ele está no Palácio do Planalto. Disso trataremos em seguida.
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