A nova taxa de câmbio seria a solução de grande parte dos problemas da economia brasileira. Mas não é bem assim
Nos últimos três meses, o preço do dólar subiu de R$ 1,70 para R$ 2, chegando a R$ 2,04 ontem. Desde 2009, nada foi mais consensual entre os empresários e o governo do que a crença de que ou o dólar subia ou a indústria brasileira, sobretudo o setor exportador, iria sucumbir e ingressar em falências e recessão. Desde empresários, economistas, ex-ministros, o ministro da Fazenda, até a presidente da República, todos brandiram em alto e bom som que a baixa taxa de câmbio era um desastre para a economia brasileira.
Agora, a taxa de câmbio acaba de ingressar na casa dos R$ 2,00, e ameaça seguir subindo. Por tudo que foi dito, essa nova taxa de câmbio seria a solução de grande parte dos problemas da economia brasileira. A indústria exportadora recuperaria suas vendas ao exterior, a competitividade voltaria, a recessão seria evitada e a desindustrialização seria coisa do passado. Foi por acreditar no enredo de toda essa história que o governo e o Banco Central se dedicaram a promover a elevação do preço do dólar.
Uma vez alcançado o objetivo, começa-se a perceber que o enredo não estava completamente certo e os pontos não entendidos mostraram sua face. Primeiro, descobriu-se que a inflação foi contida nos últimos anos em boa parte por causa da baixa taxa de câmbio. Ou seja, como na matriz de produção da economia brasileira uma parcela expressiva das matérias-primas vem do exterior, o baixo preço do dólar contribuiu para manter os preços em reais das importações em níveis baixos e segurou o nível geral de preços.
O segundo aspecto desse enredo é um nó difícil de desatar: os salários médios no setor industrial subiram mais do que a produtividade sem pressionar a inflação em parte porque a redução nos preços dos insumos importados compensou a elevação salarial. Quando todos os preços são mantidos constantes, os salários médios somente podem subir sem provocar inflação caso haja aumento da produtividade-hora do trabalho. Se os salários subirem mais do que os ganhos de produtividade, a inflação só não aumenta se os insumos materiais tiverem redução de preços. Foi isso o que aconteceu em razão das sucessivas quedas da taxa de câmbio.
No momento em que o dólar sobe e começa a recuperar a desvalorização da moeda estrangeira ocorrida nos últimos anos, os custos dos insumos industriais importados aumentam e passam a pressionar a inflação. Isso ocorre porque os salários não irão diminuir; no máximo deixarão de subir pressionados pelo aumento na taxa de desemprego.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior informa que, nos quatro primeiros meses de 2012, a importação de matérias-primas e bens intermediários respondeu por 43,8% das importações totais. A fábrica que ganha com a elevação da taxa de câmbio quando aumenta suas receitas de exportação em reais é a mesma que perde quando desembolsa mais reais para pagar as importações de bens e serviços usados em seu processo industrial.
O governo federal sabe que o aumento da taxa de câmbio beneficia o setor exportador pelo lado das receitas e prejudica os setores produtivos que dependem de matérias-primas e serviços importados. E os setores prejudicados somente não terão perdas caso consigam repassar os aumentos com as importações para os preços finais dos produtos no mercado interno.
Talvez o que o governo não tenha percebido é que parte das elevações salariais acima da produtividade somente foi possível sem pressionar a inflação porque a taxa de câmbio despencou desde 2002. Pode ser que, ficando em torno de R$ 2,00, o preço do dólar seja absorvido pela economia e provoque pequena elevação da inflação. Todavia, caso a taxa de câmbio continue subindo, o ônus poderá ser uma elevação mais grave das taxas de inflação.
Economia nenhuma consegue promover elevações salariais desvinculadas do aumento da produtividade sem provocar inflação. Não há milagres, e aquilo que parecia ser a solução de todos os dramas (a elevação da taxa de câmbio) pode ser também a semente de novos problemas.