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A fúria destruidora do petismo, que desde que subiu a rampa do Palácio do Planalto (e mesmo antes disso, se considerarmos a PEC fura-teto) só pensa em reverter praticamente tudo o que tenha sido implantado no Brasil após o que o partido chama de “golpe” contra Dilma Rousseff, se voltou para a educação. Uma portaria do MEC, publicada no Diário Oficial da União de 5 de abril, suspendeu por 60 dias a implantação da reforma do ensino médio, aprovada em 2017, durante o governo de Michel Temer. “A reforma não foi revogada, mas temporariamente suspensa até chegarmos a um acordo”, defendeu-se o presidente Lula diante das críticas óbvias de especialistas. Mas que ninguém se engane, pois o mesmo Lula já havia prometido que o ensino médio pretendido pelo petismo “não vai ser do jeito que está”.
O ensino médio é um dos grandes gargalos educacionais do país. Mesmo antes de o fechamento das escolas durante a pandemia de Covid-19 deixar carentes de ensino jovens de todo o país – especialmente os mais pobres, com menos acesso às tecnologias de ensino remoto –, esta fase do aprendizado já padecia de índices de evasão escolar bem mais altos que os do ensino fundamental, já que se tratava de um modelo geralmente engessado e que dialogava pouco ou nada com as aspirações do jovem, seja o que pretendia seguir carreira ao ingressar em uma universidade, seja o que gostaria de ingressar diretamente no mercado de trabalho. Para piorar, os que completavam essa etapa e entravam no ensino superior sofriam com sérias deficiências, a julgar pelos índices de analfabetismo funcional, com parcela significativa de universitários incapazes de compreender os textos ou fazer os cálculos exigidos na faculdade.
Uma coisa é considerar que o novo modelo precise de ajustes e admitir que possa estar havendo desvirtuamento da proposta, e outra coisa é propor a destruição de um modelo cujos méritos nem puderam ser convenientemente analisados
Quando Temer publicou a MP do Novo Ensino Médio, em 2016, que o Congresso aprovou e transformou em lei no ano seguinte, o objetivo era fazer com que o ensino médio pudesse, enfim, dizer algo de concreto ao estudante. O modelo estático de disciplinas idênticas para todos seria substituído por uma grade flexível, em que 40% do tempo seria estruturado em torno de cinco “itinerários formativos” – Matemática, Linguagens, Ciências da natureza, Ciências humanas e Formação profissional –, dando mais liberdade ao estudante para escolher o caminho a seguir de acordo com as próprias aspirações profissionais. A adoção deste modelo seria gradual e foi severamente prejudicada pela pandemia, tornando irreal qualquer avaliação, positiva ou crítica, sobre sua eficácia. Apesar das dificuldades impostas pela Covid, no entanto, o poder público e o sistema educacional seguiram em frente com os preparativos que o MEC, agora, suspende, lançando a maioria dos gestores na mais completa confusão, já que não há a menor clareza de como será o futuro. Corajosamente, há quem não tenha interrompido os planos, caso do estado de São Paulo, com a alegação de que o MEC extrapolou suas funções e que a gestão do ensino médio cabe aos estados.
Ao dizer que a reforma será “suspensa até chegarmos a um acordo”, o que Lula quer ignorar é que esse acordo já ocorreu, durante as discussões do Novo Ensino Médio no Congresso. Assim como aconteceu no Marco do Saneamento, o petismo defendeu suas ideias no locus próprio para o debate, que é o parlamento, e saiu derrotado. Não pode, agora, querer se valer de instrumentos reservados ao Poder Executivo para simplesmente reverter o que o Legislativo aprovou após ampla discussão. Uma coisa é considerar que o novo modelo precise de ajustes e admitir que possa estar havendo desvirtuamento da proposta – os adversários do Novo Ensino Médio recorreram a reportagens mostrando que estudantes estavam tendo aulas como “O que rola por aí”, “RPG”, “Brigadeiro caseiro”, “Mundo Pets SA” e “Arte de morar” –, e outra coisa é propor a destruição de um modelo cujos méritos nem puderam ser convenientemente analisados.
Em um ato falho, Lula afirmou que pretende “fazer uma coisa que seja agradável ao governo, mas também aos estudantes”, em uma inversão total de prioridades. Os estudantes é que precisam vir em primeiríssimo lugar, e não “o governo”, melhor entendido aqui como os grupos de pressão na educação que sustentam o petismo, como sindicatos. Gestores e sindicalistas não precisam ser “agradados”; precisam é ser tirados da zona de conforto, esforçando-se para oferecer algo significativo ao jovem, pesquisando as demandas do mercado de trabalho local e usando-as para criar uma grade condizente sem engambelar estudantes com um “projeto de vida” qualquer, oferecendo qualidade tanto a quem quiser seguir para a universidade quanto para quem optar pela vida profissional logo depois do ensino médio. Apenas se fizerem isso, cumprindo a proposta da reforma do ensino médio, será possível avaliar as intenções pelos resultados.