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Editorial

O Orçamento de ficção e os riscos para o Brasil

Orçamento aprovado pelo Congresso tirou dinheiro de despesas obrigatórias e o remanejou para emendas parlamentares executadas por vários ministérios. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Depois de promover um primeiro malabarismo orçamentário ao tentar bancar o Renda Cidadã com recursos do Fundeb e de precatórios, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) apresentou mais uma peça irreal em seu relatório do Orçamento da União para 2021. E, se naquele primeiro caso a proposta teve a participação do governo e acabou enterrada, ao menos provisoriamente, desta vez a obra saiu das mãos do Congresso e foi por ele aprovada. Sua execução da forma idealizada pelo relator, no entanto, trará sérios riscos econômicos e jurídicos.

Tudo isso porque Bittar resolveu transformar o obrigatório em opcional, retirando R$ 26,5 bilhões de rubricas como Previdência, abono salarial, seguro-desemprego e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Enquanto isso, turbinou o valor programado para emendas parlamentares, seja as individuais, as de bancada ou as definidas pelo próprio relator, que subiram de R$ 16,3 bilhões para R$ 46 bilhões. Essa acrobacia foi possível porque Bittar não considerou a diferença nos gastos obrigatórios oriunda do aumento do salário mínimo – quando o governo montou o orçamento, em meados do ano passado, imaginava um mínimo de R$ 1.067. No entanto, o valor real passou para R$ 1,1 mil, graças à aceleração da inflação no fim de 2020. Como há uma série de despesas vinculadas ao salário mínimo, como o pagamento das aposentadorias, a previsão de gastos ficou defasada. O Ministério da Economia poderia ter corrigido os valores com uma mensagem de retificação, mas não o fez. Bittar não só deixou de consertar o equívoco, como ainda o agravou. Só a Previdência terá R$ 22 bilhões a menos do que precisaria para cobrir todos os benefícios que paga a aposentados e pensionistas.

“Criatividade contábil” e gambiarras orçamentárias, é preciso lembrar, estiveram na origem do impeachment de Dilma Rousseff e são um caminho que o Brasil não pode seguir

Como não é possível simplesmente deixar de pagar aposentadorias, nem as outras despesas obrigatórias, o governo precisará encontrar dinheiro em outro lugar. Isso significa cortar as chamadas “despesas discricionárias”, aquelas de livre escolha do Poder Executivo. Ou seja: haverá menos recursos para investimentos, e pode até mesmo faltar dinheiro para o custeio da máquina pública, como o pagamento de contas de água e energia elétrica. A despesa discricionária já está em um valor extremamente baixo – R$ 96 bilhões em um Orçamento de R$ 1,486 trilhão –, e os bloqueios podem chegar à casa dos R$ 36,6 bilhões. Como especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo estimam que são necessários R$ 80 bilhões apenas para custear a administração pública, os cortes previstos poderiam levar o governo a interromper serviços, no chamado shutdown.

Como se não bastasse, o Tribunal de Contas da União (TCU) está analisando um parecer para avisar o presidente Jair Bolsonaro sobre a possibilidade de ele cometer crime de responsabilidade se o Orçamento for sancionado, já que pode ocorrer violação da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Criatividade contábil” e gambiarras orçamentárias, é preciso lembrar, estiveram na origem do impeachment de Dilma Rousseff e são um caminho que o Brasil não pode seguir, pois sua credibilidade internacional já está bastante arranhada quando o assunto é a gestão das contas públicas.

Bolsonaro fica, assim, pressionado entre sancionar um Orçamento claramente irreal ou comprar briga com o Centrão, que enviou uma mensagem por meio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar (...) remédios políticos podem ser utilizados, são conhecidos e todos amargos; alguns, fatais”, disse o deputado na última quarta-feira, no que foi entendido como um aviso a Bolsonaro sobre o que o Congresso vê como erros do Executivo no combate à pandemia de Covid-19, mas que, no fim, é um recado sobre quem tende a sair vencedor em uma queda de braço entre Bolsonaro e um Centrão com um notável instinto de sobrevivência. Este triunfo da irresponsabilidade, no entanto, só fará mais dano a um país já incapaz de gerir suas contas com algum bom senso.

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