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Editorial

O Orçamento e o cinismo

Sessão do Senado que aprovou o Orçamento da União de 2022. (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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Depois de deixar para trás todos os obstáculos inconvenientes, como vetos presidenciais, regras de responsabilidade fiscal e o teto de gastos, deputados e senadores cumpriram sua última tarefa antes de partirem para seu descanso natalino: a aprovação da Lei Orçamentária Anual de 2022, que define como serão distribuídos os R$ 4,8 trilhões em dinheiro do contribuinte brasileiro. E os parlamentares não hesitaram em deixar na peça orçamentária rubricas que causaram bastante controvérsia nos últimos tempos, e que demonstra como a bolha política de Brasília insiste em viver alheia à indignação do brasileiro comum.

É o caso do fundão eleitoral, tão bilionário quanto imoral: R$ 4,9 bilhões do pagador de impostos brasileiro servirão para custear campanhas eleitorais que deveriam ser financiadas exclusivamente por filiados dos partidos e por simpatizantes de cada candidatura – um aumento de 145% na comparação com o fundo eleitoral de 2020. Quando derrubaram um veto presidencial no dia 17, os parlamentares restauraram uma regra de cálculo que poderia destinar até R$ 5,7 ao fundo. No fim, um acordo entre líderes partidários e o relator do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), baixou o valor e mandou a diferença para o Ministério da Educação. Um senador do Centrão, Wellington Fagundes (PL-MT), chegou a “comemorar” nos seguintes termos: “Conseguimos agora R$ 1 bilhão do Fundo Eleitoral para ser carreado para a educação”.

O Orçamento de 2022 é o Orçamento do cinismo movido a bodes na sala: a sociedade fica alarmada e, quando a imoralidade é apenas atenuada, deputados e senadores pretendem que os brasileiros se sintam aliviados e agradecidos porque não aconteceu o pior

O cinismo, como se vê, não tem limites. Os congressistas acabavam de aprovar um aumento injustificável em um fundo que nem mesmo deveria existir, e ainda querem fazer a sociedade acreditar que eles estão fazendo um grande favor ao país ao não abocanhar tudo o que poderiam ter abocanhado. “Fiquem felizes, poderiam ter sido R$ 5,7 bilhões, mas ficamos com apenas R$ 4,9 bilhões e ainda destinamos a diferença para a educação!”, é a mensagem que os parlamentares enviam aos brasileiros, como se realmente devêssemos nos dar por satisfeitos com a vergonha que acaba de ser aprovada. Para o relator, aliás, toda a indignação não passaria de muito barulho por nada, já que o valor é apenas “um ponto percentual neste universo de trilhões que nós estamos discutindo”.

Retórica semelhante já havia sido usada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do Projeto de Resolução do Congresso Nacional (PRN) 4/2021, que colocava alguma disciplina na farra das emendas de relator, em resposta a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que cobrava transparência a respeito da autoria de cada solicitação de emenda. “Nós estamos fazendo a mais”, afirmou ele para defender seu texto, que limitava o valor total das emendas de relator ao mesmo montante das emendas individuais somadas às emendas de bancada, o que resultou em R$ 16,5 bilhões na LOA de 2022. “O relator do Orçamento deste ano, 2021, fez R$ 30 bilhões de emendas. Fez por quê? Porque quis. Ele poderia ter feito R$ 100 bilhões, não tinha limite”, disse Castro na ocasião. O raciocínio é o mesmo: que magnânimo é este Congresso Nacional! O Supremo nem havia determinado que se instituíssem limites para as emendas de relator, mas os congressistas tomaram a iniciativa de fazê-lo! Quanto desprendimento! Os congressistas querem compreensão – quando não elogios – por continuar mantendo nas mãos do relator um valor enorme, que a essa altura todos já sabem servir apenas como ferramenta de barganha política, deturpando o objetivo inicial quando esse tipo de emenda foi criado.

O Orçamento de 2022 é o Orçamento do cinismo movido a bodes na sala: a sociedade fica alarmada com a perspectiva de imoralidades de proporções cataclísmicas e, quando a imoralidade é apenas gigantesca, deputados e senadores pretendem que os brasileiros se sintam aliviados e agradecidos porque não aconteceu o pior. Trata-se da pior variante do terraplanismo orçamentário que consiste na crença na geração espontânea de dinheiro público: há os que queiram criar dinheiro a partir do nada para bancar algum serviço público, e há os que querem fazer brotar dinheiro para acomodar os próprios interesses – as mentes por trás do Orçamento de 2022 estão neste último grupo.

Por fim, a divisão final do bolo orçamentário mostra também que é possível, sim, encontrar dinheiro para bancar iniciativas como o Auxílio Brasil sem recorrer a gambiarras orçamentárias e sem desmoralizar as regras de responsabilidade fiscal, caso houvesse disposição em fazer as escolhas certas e eliminar gastos imorais ou ineficientes – a tarefa ficaria ainda mais fácil caso os “três Ds” de Paulo Guedes (desindexar, desobrigar e desvincular) fossem aplicados, ao menos em parte. Mas, como quem elabora e vota o orçamento está plenamente satisfeito com a forma como as coisas são feitas hoje, infelizmente as perspectivas de mudança são quase nulas.

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