Usando como pretexto os abomináveis atos de depredação contra as sedes dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro, o governo de Lula deve enviar ao Congresso um pacote com medidas supostamente para coibir novas ações de vandalismo contra as instituições. Encabeçado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, as propostas foram apelidadas de “Pacote da Democracia”, mas contêm medidas que não condizem em nada com a defesa do Estado Democrático de Direito.
Embora o teor final do documento ainda não tenha sido revelado, o ministro da Justiça, Flávio Dino, já adiantou que o pacote deve priorizar quatro eixos: uma emenda constitucional para criar uma Guarda Nacional; uma medida provisória sobre internet; e dois projetos de lei, um para aumentar penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito, e outro para agilizar a perda de bens para quem participa de crimes contra o Estado.
O ideal seria que um pacote de medidas em reação aos atos de 8 de janeiro tivesse surgido por iniciativa do próprio Congresso Nacional.
Sobre a criação de uma Guarda Nacional, trata-se de uma medida desnecessária e perigosa, que pode criar um “Exército paralelo”, sob comando do Executivo. Regimes autoritários é que costumam criar forças de segurança específicas para satisfazerem as ordens dos ditadores. Mesmo sendo compreensível pensar formas de melhorar a estrutura de segurança da sede dos Três Poderes em Brasília, isso poderia ser feito sem envolver a criação de uma nova força de segurança. Lembre-se que o Congresso Nacional já possui sua Polícia Legislativa.
Além disso, a proposta de criação de uma Guarda Nacional não foi motivada pelo 8 de janeiro, como alguns querem fazer crer. Em setembro do ano passado, o grupo que formulava as propostas para a área de segurança pública do então candidato Lula já previa a criação de uma Guarda Nacional. Outro agravante é a possibilidade de que a Guarda possa ser mobilizada conforme a vontade do presidente da República. Em entrevista à TV Brasil na quarta-feira (25), o ministro Flávio Dino disse que a Guarda "será uma instituição dedicada à segurança das áreas cívicas, mas poderá atuar em áreas de fronteira, territórios indígenas e unidades de conservação".
Caberá ao Congresso executar com rigor seu papel, evitando que medidas antidemocráticas avancem. Que eles não nos desapontem.
O pacotaço de Lula prevê também aumento de penas para crimes contra a democracia. Hoje, crimes contra as instituições democráticas têm pena de 4 a 8 anos para ações que “com emprego de violência ou grave ameaça”, tentam “abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”; ou de 4 a 12 anos nos casos de tentativa de “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Levando-se em conta a grandeza e as implicações dos crimes mencionados, parece uma pena branda e a revisão do tema não deixa de ser pertinente. Mas é importante não haver pressões que impeçam o Congresso Nacional de promover um amplo e robusto debate sobre o assunto.
Já a proposta de incluir no pacote uma medida provisória – que não depende da análise do Congresso para entrar imediatamente em vigor – para obrigar as redes sociais a monitorar e remover conteúdos considerados “antidemocráticos” é extremamente perigosa. A ideia é que a remoção de conteúdos “antidemocráticos” das redes sociais seja imediata e não dependa de análise ou pedido Judicial – Flávio Dino chegou a defender que a remoção aconteça “em horas”.
Mesmo quando há a análise da Justiça, a falta de clareza sobre a distinção entre conteúdos factualmente errôneos e opiniões já levou a inúmeras decisões equivocadas. Na Gazeta do Povo noticiamos dezenas de casos de censura a opiniões taxadas indevidamente de fake news ou desinformação. Agora, Dino vai deixar – ou melhor – obrigar as big techs por lei a se tornaram uma ferramenta de censura, alinhadas aos outros órgãos criados por Lula para criminalizar e perseguir aqueles que supostamente postarem e divulgarem “desinformação”.
O ideal seria que um pacote de medidas em reação aos atos de 8 de janeiro tivesse surgido por iniciativa do próprio Congresso Nacional. Melhor ainda se fosse em outro momento, diferente do atual, onde a lembrança dos acontecimentos ainda é viva e pode dificultar uma análise mais equilibrada.
Mas uma vez que se trata de algo inevitável – Lula já disse que o pacotaço deve ser encaminhada nos primeiros dias de fevereiro ao Legislativo –, caberá ao Congresso executar com rigor seu papel, evitando que medidas antidemocráticas avancem. Que eles não nos desapontem.
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